AINDA ESTOU AQUI, molhado das lágrimas que Eunice/Fernanda segurou, para as crianças não verem o tamanho da tragédia. Elas estão crescidas e entendem nossos lamentos.
AINDA ESTOU AQUI, relembrando “amigos presos, sumindo assim pra nunca mais”. É preciso honrá-los, sempre. E nunca esquecer que a água, do imenso mar, ou de um simples chuveiro, alivia as feridas do corpo e da alma. E enferruja os metais de qualquer ditadura.
AINDA ESTOU AQUI, acreditando que, mesmo no quartel do terror mais cruel, um soldadinho pode ter centelha de humanidade e sussurrar: “eu não concordo”. Nem todos concordam com a barbárie!
AINDA ESTAMOS AQUI, sobreviventes do horror, para repetir Ulysses na promulgação da Constituição Cidadã de 1988: “ódio e nojo à ditadura!”. Ao arbítrio, à mentira, à censura, à tortura, à morte!
AINDA ESTAMOS AQUI, sorrindo nas fotografias para, com o registro insolente, desafiar a sisudez dos truculentos. E vivenciar o prazer e a dor cotidianas: o dentinho de leite que cai, o estimado cãozinho que se vai, a praia, o sorvete, a família feliz – ainda que acossada pelos medos.
AINDA ESTAMOS AQUI para, mesmo com o pensamento cansado e no silêncio do fim da sofrida jornada, emocionarmo-nos com o olhar aceso de Eunice/Fernanda quando escuta o nome do amado covardemente subtraído. Memória não morrerá!
AINDA ESTAMOS AQUI, com a História na mão, para dizer não à “anistia” dos golpistas que, saudosistas da tirania, teimam em nos jogar nas trevas, sequestrar a alegria.
ESTAMOS AQUI para celebrar Eunice e suas crias, estreitos nós. Atestado de óbito como testemunha do êxito – das cinzas à Ressurreição. E para reencontrar Rubens/Selton redivivo, ocupando, com seu corpo risonho e solidário, a casa invadida e esvaziada pelos canalhas.
Cinema é iluminação! Ela está nas telas, lotando as salas, reduzindo a pó o boicote dos fanáticos, resgatando nossa Esperança equilibrista.
Obrigado, Rubens, por seu livro que relata com primor mais esse pedaço de sua fecunda existência.
Obrigado, Walter, elenco e equipe de produção, por essa obra de arte grave, intensa, necessária e libertadora.