Temos acompanhado de perto os impactos do Decreto n. 55.218/2024, do Município do Rio de Janeiro, que introduziu alterações significativas nas regras sobre a licença especial dos servidores públicos municipais. Esse decreto tem gerado preocupação, especialmente devido ao dispositivo que presume renúncia tácita ao direito adquirido caso o servidor não manifeste, no prazo estipulado, as datas para gozo da licença especial.
O Decreto n. 55.218/2024, em especial no seu art. 12,afronta princípios constitucionais, como a segurança jurídica e a proteção ao direito adquirido. Isso ocorre porque viola frontalmente o Estatuto dos Funcionários Públicos do Poder Executivo, que assegura aos servidores o direito de usufruir da licença especial sem prazo limite para sua fruição (vide artigos 110 e 111). Assim, o decreto extrapola os limites do poder regulamentar, impondo barreiras injustas para os servidores e configurando clara ilegalidade.
Indo direto ao ponto, parece que o objetivo da municipalidade é deixar de indenizar os seus servidores pela não fruição da referida licença. Pois, como é de conhecimento geral, os Tribunais Superiores e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já decidiram em favor do direito dos servidores de converter em pecúnia (indenização) os meses que deixou de gozar a licença em foco.
Portanto, a consequência prática do decreto para os servidores é a presunção de renúncia ao direito adquirido, como determinada pelo decreto, pode levar à perda da possibilidade de conversão da licença especial em pecúnia. E, em última linha, essa prática pode gerar enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública e prejudicar os servidores no momento da aposentadoria.
Mas a municipalidade parece que percebeu seu erro grosseiro e enviou para a Câmara Municipal o Projeto de Lei Complementar n. 186/2024 (PLC 186). Este PLC modifica o estatuto dos servidores públicos modificando as regras da licença especial (art. 10). Praticamente o PLC converte em lei aquilo que foi disposto pelo Decreto n. 55.2018.
Não resta dúvida que a eventual aprovação do PLC aumenta a complexidade da questão e certamente uma parcela considerável dos servidores da ativa terão que, obrigatoriamente, gozar da licença especial sob pena de perdê-las.
No entanto, não podemos esquecer a regra presente no Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), que em seu art. 6º consagra que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. O referido dispositivo visa garantir a estabilidade, a segurança jurídica e a proteção dos direitos já adquiridos, preservando a coerência e a continuidade das relações jurídicas.
Nos parece que o efeito prático do PLC 186 é criar um “corte” entre os servidores. De um lado, estão aqueles que já cumprem todos os requisitos para a “conversão em pecúnia”, pois já poderiam estar aposentados, mas optaram por permanecer em atividade em flagrante benefício da Administração (mais precisamente aqueles que recebem o “abono de permanência”). E do outro lado, os servidores que ainda não possuem os requisitos para aposentadoria.
Sendo assim, nos parece que o segundo grupo deverá seguir as regras do PLC 186, se aprovado pela Câmara Municipal.
Diante dessas questões, quais medidas podem ser adotadas? Considerando o decreto em tela, sem a aprovação do PLC 186, nos parece que as seguintes medidas podem e devem ser tomadas pelos servidores:
- Mandados de Segurança Coletivos através associações e sindicatos para proteger os direitos dos servidores afetados.
- Mandados de Segurança Individuais, recomendável para servidores que não integram entidades representativas.
- Ação ordinária com tutela de urgência para preservação do direito dos servidores em face do Decreto n. 55.218/24.
- E no campo político, a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo, que já tramita na Câmara Municipal, sustando os efeitos do Decreto n. 55.218/24.
Mas de qualquer maneira, recomendamos que os servidores consultem seus advogados para avaliar a melhor estratégia jurídica em cada caso. A assinatura de documentos relacionados ao decreto deve ser analisada cuidadosamente, considerando as peculiaridades de cada situação. Opções como assinar com ressalvas, indicar datas estratégicas ou até mesmo recusar a assinatura podem ser adotadas, dependendo do cenário específico, vale sublinhar.
Esperamos que este artigo ter jogado um pouco de luz sobre a questão e incentivado os servidores públicos do município do Rio de Janeiro a lutar pela preservação dos seus direitos.
Marcello M. Corrêa – Mestre em Ciência Política e Advogado com mais de 24 anos de atuação com Direito Público.
José Eduardo França Jr. – Sócio do escritório França Advogados, LLM em Direito Tributário e Contabilidade Tributária, com mais de 15 anos de atuação na área.