Este artigo complementa o texto “Agnotologia: O Estudo da Ignorância e sua Relevância em um Século que Flerta com a Alienação”, publicado neste Diário do Rio e disponível no seguinte sítio:
Hoje, volto ao tema da desinformação e do pensamento crítico para abordar um aspecto que me deixou profundamente preocupado: os resultados alarmantes da mais recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. A íntegra do estudo pode ser acessada no sítio abaixo:
https://drive.google.com/file/d/13VUSithq0kcyLW3jCDcOV0VTUmN3l8QE/view?usp=drivesdk
A pesquisa revela uma crise preocupante. Pela primeira vez, a maioria dos brasileiros se declara não leitora. Isso significa que 53% dos entrevistados não leram nem uma parte de um livro nos três meses anteriores ao levantamento. Em números absolutos, o país perdeu quase 7 milhões de leitores desde 2019, atingindo o pior índice da série histórica.
Ao refletir sobre esses dados, lembrei-me das palavras de Carl Sagan, que, no excelente livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios, A ciência vista como uma vela no escuro”, destacou o papel essencial dos livros na construção do pensamento crítico e na preservação da democracia:
“Durante 99% do período de existência dos seres humanos, ninguém sabia ler ou escrever. A grande invenção ainda não fora criada. À exceção da experiência em primeira mão, quase tudo o que conhecíamos era transmitido oralmente. Como no brinquedo infantil ‘telefone sem fio’, durante dezenas e centenas de gerações, as informações foram lentamente distorcidas e perdidas.
Os livros mudaram tudo isso. (…) eles nos possibilitam interrogar o passado com alto grau de precisão; estabelecer comunicação com a sabedoria de nossa espécie; compreender o ponto de vista de outros, e não apenas o dos que estão no poder; considerar — com os melhores professores — as ideias extraídas a duras penas da Natureza pelas maiores inteligências que já existiram em todo o planeta e em toda a nossa história. Permitem que pessoas há muito tempo mortas falem dentro de nossas cabeças. Os livros podem nos acompanhar por toda parte. Pacientes quando custamos a compreender, eles nos deixam rever as partes difíceis quantas vezes desejarmos, e jamais criticam nossos lapsos. Os livros são essenciais para compreender o mundo e participar de uma sociedade democrática.”
O estudo mostra uma tendência de declínio na leitura que começou em 2015 e que agora atinge proporções críticas. Desde então, o Brasil perdeu mais de 11 milhões de leitores. Apenas 27% dos brasileiros leram um livro inteiro nos três meses anteriores à pesquisa, e a média anual de leitura caiu para quatro livros por pessoa — o menor índice registrado.
A queda é particularmente preocupante entre crianças do Ensino Fundamental, faixa etária crucial para a formação de leitores. Como apontou José Castilho Marques Neto, ex-secretário do Plano Nacional do Livro e Leitura, estamos “perdendo leitores de maneira muito rápida e intensa”. Isso enfraquece não apenas a formação cultural dos jovens, mas também a capacidade de interpretar o mundo de forma crítica.
Os livros, como destacou Carl Sagan, são ferramentas únicas para preservar o conhecimento, explorar novas ideias e ampliar horizontes. Sem o hábito da leitura, a sociedade se torna mais vulnerável à manipulação, à desinformação e ao pensamento simplista. A ausência de leitores implica a falta de cidadãos capazes de questionar, debater e resistir à alienação.
A perda do hábito da leitura é um verdadeiro banquete para políticos populistas e oportunistas, que encontram em uma população desinformada o terreno fértil para manipulação e controle.
A pesquisa também mostra uma crescente desconexão entre o tempo livre e o ato de ler. Redes sociais e mensagens instantâneas, como WhatsApp, têm ocupado o espaço que antes era destinado à leitura, enquanto o costume de ver televisão, ainda relevante, está em declínio. Essa transformação nos hábitos reforça a necessidade de valorizar a leitura como prática fundamental para o desenvolvimento social e pessoal.
Os resultados da pesquisa devem ser um alerta. Precisamos urgentemente investir em políticas públicas que incentivem a leitura, especialmente nas escolas, onde o hábito pode ser consolidado desde cedo. Também é necessário promover campanhas culturais que valorizem o livro como elemento essencial para o desenvolvimento individual e coletivo.
A leitura não é apenas uma ferramenta de aprendizado, mas um meio de construir uma sociedade mais crítica e democrática. Como dizia Sagan, os livros nos permitem revisitar ideias, explorar pensamentos e dialogar com os grandes mestres da história. Ao deixar de ler, perdemos não apenas essa conexão, mas também nossa capacidade de compreender o mundo em sua complexidade.
Que os dados alarmantes desta pesquisa sirvam como ponto de partida para uma reflexão profunda e para ações concretas. Afinal, o futuro de nossa sociedade depende do quanto valorizamos a leitura hoje.