Arqueologia urbana traz à luz o que estava condenado ao esquecimento

Centro do Rio conta com um rico acervo proveniente de sítios arqueológicos, como igrejas, quilombos, fortes e antigas residências. O Cais do Valongo é um dos mais importantes deles

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O centro histórico do Rio de Janeiro conta com uma riqueza incalculável. Muitos dos achados que compõe o acervo e a memória carioca foram encontrados por meio da arqueologia urbana, cujas descobertas, na maioria das vezes, resultam de obras do governo. A reconstrução da história e a construção da memória pode se dar através da descoberta itens, como: tijolos, telhas, pedras, cerâmica, vidro, ferramentas, vasilhames, cacos de louças, moedas, adornos, garrafas, utensílios de metal, restos alimentares e muito mais.

Diante do material, os arqueólogos se dispõem a reconstruir a História partindo do quebra cabeça de peças e artefatos, muitas vezes, pertencentes a temporalidades diversas. Uma vez reunido e minimamente o ordenado, os arqueólogos urbanos colocam à disposição da comunidade local, além de grupos de estudantes e professores, o material e o sítio arqueológico, em atividades educativas, as quais demonstram o valor de tudo o que foi encontrado.

No Centro da capital fluminense conta com um rico acervo proveniente de sítios arqueológicos com características diferentes, como igrejas, quilombos, fortes e antigas residências. A partir de 1996, no período das obras municipais para o escoamento das águas da chuva, grandes descobertas foram feitas. Na ocasião, o estudante de arqueologia Isaac Almeida, que acompanhava as intervenções, notou a presença de ossos e fragmentos de louça portuguesa nos entulhos, segundo a publicação Ciência Hoje das Crianças.

Isaac Almeida, rapidamente, comunicou os seus professores sobre os achados, que passaram a ser monitorados pela Prefeitura. O poder púbico então encaminhou as peças para os arqueólogos, que passaram a monitorar as obras na região da Praça XV, onde foi identificado um cemitério do século XVII. Os restos mortais ali encontrados eram predominantemente de pessoas de origem africana.

No mesmo ano, mas no bairro da Gamboa, outro cemitério de escravizados africanos foi descoberto, no terreno da residência do casal Mercedes e Petruccio Guimarães. Restos mortais foram encontrados quando o casal fazia escavações para fazer uma reforma. Técnicos da prefeitura foram avisados e, pouco tempo depois, os trabalhos de coleta foram iniciados pela equipe de arqueologia da administração municipal. No local foram recolhidos uma grande quantidade de ossos humanos em pedaços, cerâmica, louça, vidro, adornos e objetos de metais.

Ao analisarem o material, os pesquisadores chegaram à conclusão de que o ali teria sido um cemitério de pretos novos; africanos escravizados recém-chegados ao Brasil. Depois de uma longa jornada partindo da África, essas pessoas morriam, ao chegarem ao Rio, vitimadas pelas péssimas condições de higiene em que eram transportados, maus tratos, fome, doenças e violências diversas. Os seus corpos eram, então, enterrados nessa necrópole.

O Cemitério dos Pretos Novos é o maior cemitério de escravizados das Américas, e um dos mais importantes para a recuperação da memória das atrocidades cometidas contra os africanos que eram traficados e vendidos.

Em 2010, a pesquisa arqueológica desenvolvida no Palacete do Antigo Museu Real, nas proximidades do Campo de Santana, região conhecida como Pequena África, visava compreender a história do palacete e as intervenções nele realizadas. A construção foi o primeiro museu do Brasil.

Criado em 1818 por D. João VI, o prédio depois passou a se chamar Museu Nacional, funcionando no mesmo endereço até 1892, quando foi transferido para o Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, Zona Norte da cidade. De 1905 a 1906, a unidade foi reformada para receber o Arquivo Nacional, destinado a resguardar os documentos da administração pública nacional. Em 2010, uma nova reforma foi feita para transformar o local no Centro Cultural da Casa da Moeda.

Durante as escavações, foram descobertos pisos das diferentes ocupações, diversos objetos, principalmente, dos séculos XVIII e XIX, búzios e cachimbos. Boa parte dos achados pareciam estar relacionados às práticas religiosas de matriz africana.

No ano seguinte, o Rio de Janeiro passou por outra grande obra. Desta vez, na zona portuária, que foi alvo de obras de revitalização. As intervenções culminaram no achado de diversos outros sítios arqueológicos relacionados à herança africana. Entre eles, o Cais do Valongo, datado do século XIX e onde os africanos escravizados desembarcavam para serem vendidos. No local foram coletadas mais de 400 mil peças.

Desde então muitas pesquisas estão em andamento na região. A arqueologia urbana revela a História a partir da recuperação de informações que não estão registradas em livros ou documentos. A participação da sociedade tem sido importante para a descoberta e preservação dessas fontes. Os Guimarães compraram o casarão vizinho à sua residência e doaram-no para criação do Instituto dos Pretos Novos, que, atualmente, é um centro cultural de referência sobre a cultura afro-brasileira.

A cooperação do casal Guimarães e do então estudante Isaac ajudaram os pesquisadores a redescobrir e trazer à tona o que se encontrava no esquecimento. Dessa forma, eles mostram como a comunidade pode ajudar no processo de preservação da História nacional e das pessoas que se foram, a maioria, em condições bárbaras.

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