No dia 30 de novembro, em visita a Buenos Aires para assistir à final da Libertadores entre meu Botafogo e o Atlético Mineiro, descobri um tesouro inesperado para os fãs de quadrinhos e cultura pop: o Paseo de la Historieta. Esse circuito de rua, que passa pelos bairros de San Telmo, Montserrat e Puerto Madero, é um verdadeiro museu a céu aberto, celebrando as “historietas” — como os argentinos chamam as histórias em quadrinhos — mais queridas do país. Além das esculturas, o percurso conta também com murais e grafites alusivos ao tema, homenageando personagens icônicos do humor gráfico argentino.
Essa seria uma excelente ideia para um prefeito brasileiro aproveitar: criar em sua cidade um Passeio das Histórias em Quadrinhos, com diversas estátuas de personagens famosos dos quadrinhos brasileiros. Fica lançada esta sugestão.
Eu não poderia deixar de visitar o Paseo de la Historieta, pois, como leitor apaixonado por histórias em quadrinhos, sempre procuro conhecer, nas cidades que visito, no Brasil ou no exterior, museus, exposições, locais e lojas dedicados ao tema.
O Passeio começa com a icônica Mafalda, de Quino, acompanhada por seus amigos inseparáveis, Manolito e Susanita. A estátua da Mafalda, criada pelo escultor argentino Pablo Irrgang a convite do governo da cidade, foi inaugurada em 2009 e, desde então, atrai muitos turistas. Em 2014, para celebrar o 50º aniversário da primeira tirinha da Mafalda, as esculturas de Susanita e Manolito foram adicionadas ao monumento. A estátua de Mafalda, sentada em um banco, costuma atrair muitas pessoas, e é comum ver uma fila para que os visitantes possam tirar fotos ao seu lado, sentados no mesmo banco, e registrar esse momento especial.
Para os admiradores de Quino, o trajeto do Paseo de la Historieta reserva outra surpresa: a casa onde o cartunista viveu, localizada na Calle Chile 371, no bairro de San Telmo. Ali, uma placa homenageia Mafalda e seu criador, declarando:
“Aquí vivió Mafalda, célebre personaje y Patrimonio Cultural de la Ciudad
Creado por Joaquin Salvador Lavado, ‘Quino’
Homenaje de la Legislatura de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires
2007”
Essa inscrição simples e poderosa reconhece o lugar como parte do patrimônio cultural da cidade, eternizando a importância da personagem na cultura argentina.
O trajeto do Paseo de la Historieta reúne ainda muitos outros personagens. Ao lado de cada um, temos uns pequena plaqueta com um QR Code, que dá acesso a uma página na internet que fornece mais detalhes sobre o personagem.
Confira a lista dos homenageados:
1. Mafalda, Manolito e Susanita – A trinca mais famosa, que representa o olhar crítico e inocente sobre o mundo.
2. Isidoro Cañones – O playboy irreverente criado por Dante Quinterno, típico do “playboy” portenho.
3. Larguirucho e Super Hijitus – Personagens de Manuel García Ferré, amados pelo público infantil.
4. Matías – Um menino sonhador, de Fernando Sendra, que pensa sobre a vida dos adultos. (Essa estátua não estava mais no local. Pode ter sido retirada para ser restaurada.)
5. Don Fulgencio – Um senhor inocente e bonachão criado por Lino Palacio, que se nega a crescer.
6. Clemente – Um símbolo argentino de Caloi, que critica a realidade argentina e é apaixonado por futebol.
7. Chicas Divito – Personagens femininas de Guillermo Divito, que refletem a moda dos anos 50 e 60.
8. Patoruzú – O cacique tehuelche nobre e protetor da natureza, criado por Dante Quinterno.
9. Patoruzito e Isidorito – Patoruzito representa a infância de Patoruzú, e Isidorito é o amigo astuto e malicioso. (Não encontrei estas estátuas.)
10. Gaturro – O gato divertido de Nik, criado em 1993 e adorado por crianças. (Essa estátua não estava mais no local. Pode ter sido retirada para ser restaurada.)
11. Don Nicola – O imigrante italiano simpático e falante, criação de Hector Torino.
12. Negrazón e Chaveta – Os amigos cordobeses criados por A. Cognigni, que refletem a linguagem popular argentina.
13. Diógenes e El Linyera – Dupla marginalizada de Tabaré, Abrevaya e Guinzburg, que critica a sociedade.
14. Langostino e Corina – O doce marinheiro e sua lancha, criados por Eduardo Ferro em 1945.
15. Inodoro Pereyra e Mendieta – O gaúcho solitário e seu fiel cão, criação de Roberto Fontanarrosa.
16. La Jirafa – Personagem silencioso de Guillermo Mordillo.
17. Tía Vicenta – Personagem de Landrú.
18. El “Loco” Chavez – Personagem de Carlos Trillo e Horacio Altuna.
19. El Eternauta, de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López.
Entre os destaques do Paseo, além da Mafalda, está também a estátua do El Eternauta, um dos maiores ícones da ficção científica argentina.
Essa estátua de “El Eternauta” foi a mais recente instalada lá, pois foi inaugurada no Paseo de la Historieta em 8 de maio de 2015.
Aqui, vale um registro triste, tendo em vista que, infelizmente, tem aumentado em nosso país o número de adoradores e viúvas de ditaduras e de torturadores, pois o excelente roteirista de histórias em quadrinhos Héctor Germán Oesterheld foi uma das dezenas de milhares de vítimas da ditadura militar argentina.
Ele foi um roteirista e escritor de quadrinhos argentino. Escreveu numerosos contos e romances de ficção científica e publicou em revistas como Misterix, Hora Cero e Frontera. Suas séries mais conhecidas são Sargento Kirk, Bull Rocket e, principalmente, El Eternauta, que é considerada sua obra-prima.
O número de vítimas fatais, ou desaparecidos, durante a ditadura militar argentina é estimado pelas Mães e Avós da Praça de Maio em aproximadamente 30.000, considerando tanto os casos registrados oficialmente quanto aqueles que nunca foram denunciados.
Essas vítimas eram principalmente opositores políticos, estudantes, sindicalistas, intelectuais e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao regime militar. Muitas foram sequestradas, torturadas e mortas em centros clandestinos de detenção, sendo seus corpos muitas vezes jogados no mar em voos da morte.
Héctor Germán Oesterheld, nascido em Buenos Aires, em 23 de julho de 1919, foi “desaparecido” pela ditadura argentina em 1977 e, provavelmente, assassinado em 1978.
Em breve, Eternauta ganhará ainda mais destaque, pois a Netflix está desenvolvendo uma série sobre ele, prometendo levar esse clássico a um público global e fortalecer sua importância como referência cultural.
Além da série sobre o Eternauta, a Netflix também está produzindo uma série animada sobre Mafalda, garantindo que o carisma e as mensagens profundas da personagem alcancem novas gerações ao redor do mundo.
Para saber mais sobre a história de Mafalda e a importância desse ícone, recomendo a leitura do artigo que publiquei no Diário do Rio, intitulado “60 Anos de Mafalda: um ícone que continua a inspirar gerações”. O artigo pode ser encontrado neste sítio:
Para quem visita Buenos Aires, o Paseo de la Historieta é uma experiência que oferece um encontro íntimo com a cultura e o humor do país. Em cada esquina, um personagem familiar nos faz refletir, sorrir e entender um pouco mais da rica herança dos quadrinhos argentinos.