Nossa língua portuguesa possui, como quase todos sabemos, uma espécie de tensão entre as inovações e a tradição.
A prova de que somos bastante flexíveis em relação aos aspectos inovadores está, para dar um exemplo, na quantidade de neologismos que surge diariamente para nomear pessoas, situações, circunstâncias. Assim é que se criaram nomes como “mensalão”, “privataria”, “Lava-jato” (proveniente de “lava a jato”), “valerioduto”.
A língua portuguesa, desde sua gênese, demonstra também alto e criativo caráter literário, mesmo entre a linguagem coloquial, que desabusada e gostosamente se vale de metáforas para nomear situações novas. Prova disso são as aludidas figuras de linguagem para dar nome às operações levadas a cabo pela Polícia Federal na nossa História recentíssima: “Operação acarajé”, “Zelotes” e assim por diante.
Ao lado de tanta criatividade e inovação, que, como foi dito, na verdade remontam às origens de nossa língua, esta mesma língua quase milenar mantém consigo uma tradição de que ela se municia e fortalece.
Conhecer o que ela nos fornece – incluído este equilíbrio entre inovação e tradição ?, é fundamental para que falemos e escrevamos como quisermos, obedecendo desde gêneros coloquiais e distensos até os elegantes e impessoais, passando pelos científicos, acadêmicos etc. O fato é que dispomos de uma das línguas com mais categorias entre as línguas vivas.
Portanto, como decorrência disso, descrever os nomes das categorias da nossa língua não é mero exercício lúdico, supostamente inútil: ao contrário, quando aprendemos certas nomenclaturas (metalinguagens) de uma língua qualquer, só então podemos compreender totalmente por que se usam certas estruturas sintáticas e semânticas de um jeito, e não de outro.
Além disso, os concursos públicos (uma razão bem pragmática…) cada vez mais vêm exigindo o conhecimento da língua portuguesa normativa padrão, com a nomenclatura que lhe permite estruturar-se. Hoje, praticamente todos os concursos judiciários de nível superior (magistratura, ministério público, defensoria), bem como vários outros concursos, de todos os níveis (diplomacia, bombeiros, fuzileiros navais) exigem domínio da norma padrão do idioma e sua consequente descrição perpassando sua terminologia oficial.
Novas leis prestes a entrar em vigor estabelecem explicitamente que, tanto nas universidades em geral como no Ensino Básico, será importante o aprofundamento na língua portuguesa.
Então, vamos arregaçar as mangas e estudar um pouco de um belo instrumento gramatical de que dispomos: a palavra SE. Conhecendo as classes gramaticais que pode assumir, aprendemos a usá-la melhor e, até, de quebra, conseguimos arsenal para aprender com mais destreza outros idiomas, pois esta é uma das funções de se conhecer metalinguagem em língua materna.
Na minha próxima coluna, falarei das classes e funções do QUÊ.
Ao fim dessas duas colunas, porei à disposição exercícios com gabarito.
Volto a oferecer ao usuário com dúvidas que escreva ao serviço de consultoria linguístico-gramatical, de que sou coordenador, do Centro Filológico Clóvis Monteiro, da UERJ.
Dispomos de uma abalizada equipe. Responderemos a sua dúvida com prazer.
Nosso e-mail é cefiluerj@gmail.com
Bons estudos!
Abraços,
Marcelo Moraes Caetano
CLASSES E FUNÇÕES DO “SE”:
1) PARTÍCULA APASSIVADORA OU PRONOME APASSIVADOR:
Trata-se do SE usado junto a verbos transitivos diretos ou transitivos diretos e indiretos.
A partícula apassivadora indica a voz passiva sintética ou pronominal. Dessa maneira, sempre terá sujeito, havendo concordância obrigatória com este sujeito.
EXEMPLO: Comprou-se uma casa. Compraram-se duas casas.
SUJEITO SUJEITO
OBSERVAÇÃO: Esta partícula sempre terá sujeito, como se disse. Este sujeito poderá ser uma oração inteira (oração subordinada substantiva subjetiva):
EXEMPLO: Espera-se QUE ELES FAÇAM A TAREFA.
SUJEITO ORACIONAL
2) ÍNDICE DE INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO:
Ocorre com as demais predicações verbais: VTI, VI, VL. O verbo fica sempre na 3a. pessoa do singular, já que o sujeito é indeterminado.
EXEMPLOS.:
Precisa-se de operários.
Vai-se a Roma.
Era-se menos desconfiado antigamente.
OBSERVAÇÃO: Há verbos transitivos indiretos que, excepcionalmente, aceitam voz passiva analítica: perdoar, pagar, obedecer, desobedecer, aludir, responder.
No entanto, quando usados com a partícula SE, deve ser considerado um caso de SUJEITO INDETERMINADO, sendo o SE, portanto, ÍNDICE DE INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO:
EXEMPLO: As falhas foram perdoadas ¾ VOZ PASSIVA ANALÍTICA
Perdoou-se às falhas ¾ SUJEITO INDETERMINADO (VOZ ATIVA)
Também os chamados objetos diretos preposicionados não aceitam, em tal circunstância, voz passiva sintética. Para que se obtenha esta, seria necessário, antes, retirar-se a preposição do objeto direto.
Ex.: Comi dos pães.
O.D. PREPOS.
Comeu-se dos pães ¾ SUJEITO INDETERMINADO (VOZ ATIVA)
Mas:
Comi os pães ¾ VOZ ATIVA
O.D.
Comeram-se os pães ¾ VOZ PASSIVA SINTÉTICA
SUJEITO
3) PRONOME REFLEXIVO:
Usado para formar a chamada voz reflexiva. Neste caso, terá função sintática. Pode, portanto, ser:
3.1) Sujeito: Ele permitiu-se comprar uma roupa nova.
3.2) Objeto direto: Ele se vestiu.
3.3) Objeto indireto: A menina se deu um carro de presente.
4) CONJUNÇÃO SUBORDINATIVA CONDICIONAL:
Usada para iniciar a oração subordinada adverbial condicional. Equivale à conjunção CASO:
EXEMPLO: Se quisermos, conseguiremos tudo.
5) CONJUNÇÃO SUBORDINATIVA INTEGRANTE:
Iniciará algumas orações subordinadas substantivas:
EXEMPLO: Quero saber se ela veio.
- SUB. SUBST. OBJ. DIR.
É preciso saber se ela veio.
- SUB. SUBST. SUBJETIVA
6) PARTE INTEGRANTE DO VERBO:
Ocorre quando o verbo só pode ser, naquele contexto, conjugado com o pronome, ou quando o pronome faz com que o verbo mude de predicação. Assim, devemos estabelecer a distinção entre verbos essencialmente pronominais e verbos acidentalmente pronominais.
EXEMPLOS:
VERBOS ESSENCIALMENTE PRONOMINAIS
Ele se queixou da prova.
Ela se orgulha de seu trabalho.
Os meninos se arrependeram do ato.
Ninguém mais se suicidará.
VERBOS ACIDENTALMENTE PRONOMINAIS
Eles se esqueceram do assunto.
Os garotos se tornaram meus grandes amigos.
7) PARTÍCULA EXPLETIVA OU DE REALCE:
Ocorre com certas construções verbais em que a retirada do pronome SE não acarretaria prejuízo do entendimento da frase. Nesses casos, portanto, a função do SE será dar ênfase à ação verbal expressa.
EXEMPLOS: : Lá se vai a minha tristeza.
As meninas riram-se muitíssimo.
8) SUBSTANTIVO:
Quando apresenta um determinante, podendo ser este um artigo, um pronome, um adjetivo etc. Aqui, é ideal que se grife a palavra, com algum recuso tipográfico (sublinhado, negrita, itálica, versais, versaletes), ou com as aspas:
EXEMPLOS: Este “se” nunca me agradou.
“Só dizer sim ou não, mas você adora um se…” (Djavan)