Por Bernardo Moura
Há exatos 121 anos, dez mil pessoas se amontoavam em frente ao Paço, sede do Governo Real, à espera da princesa imperial regente Isabel e seu esposo, o Sr Conde D`Eu. Já era a terceira vez que governava o país, pois seu querido pai se encontrava doente. Após muito esperar, a carruagem chega, por volta de três horas da tarde. A multidão os aclama, até porque espalharam boatos do que iria acontecer logo depois.
A princesa trajava um vestido de seda cor de pérolas com rendas valencianas. Pessoas do ministério, damas e camareiras foram recebê-los à porta e os acompanharam até a sala do Trono, onde alguns membros da Corte os esperavam. Logo depois, com a presença do senhor Senador Dantas e do ministro da Agricultura, a filha de D. Pedro II assina a lei 3353 de 13 de maio de 1888, que declara extinta a escravidão no Brasil:
Art 1o – É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.
Art 2o – Revogam-se as disposições em contrário
O povo aglomerado chamou Sua Alteza para a janela e comemorou com bravos e aplausos. Foram dias de festejos e alegria. No Gazeta de Notícias, do dia 14, saiu na capa:
"Continuavam ontem com extraordinária animação os festejos populares. Ondas de povo percorriam a rua do Ouvidor e outras ruas e praças, em todas as direções, manifestando por explosões do mais vivo contentamento o seu entusiasmo pela promulgação da gloriosa lei que, extinguindo o elemento servil, assinalou o começo de uma nova era de grandeza, de paz e de prosperidade para o império brasileiro (…)".
No Diário de Notícias não era diferente:
"Continuaram ontem os festejos em regozijo pela passagem da lei áurea da extinção da escravidão. A rua do Ouvidor esteve cheia de povo todo o dia e durante uma grande parte da noite, sendo impossível quase transitar-se por esta rua."
Anos depois, até Machado de Assis falaria da manifestação:
"A cidade nunca tinha visto festa igual! Famílias inteiras choravam de alegria. Inimigos da véspera abraçavam-se. O dia 13 de maio de 1888 foi um marco na vida de milhares de homens e mulheres africanas e a população negra ainda escravizada.”
Por ter as maiores populações negras atuantes, Rio e a Bahia comemoraram ao seu estilo: com muito samba. Aliás, foi de lá que se espalhou pelo país. O samba baiano pode ser classificado em vários tipos: de roda, partido-alto, chulado, batido etc. Com auxílio de atabaques, violão, chocalho e pandeiros, o samba baiano migrou através das tias. Estilo esse originado de Luanda, Angola. A partir de 1850 até o início do século XX, as tias baianas, que ficaram famosas depois, viajavam pra cá fugidas da perseguição religiosa. Pois lá, qualquer situação em que havia negros em roda, batendo palmas, cantando em voz alta e batucando, eram considerados de candomblé.
Como não conseguiam emprego melhor, muitas acabavam vendendo quitutes nas ruas, como a mais famosa delas, Hilária Batista de Almeida ou Tia Ciata. Baiana do Recôncavo e 22 anos de idade, Hilária se hospedou na casa de amigos (baianos também). Trajada como uma típica baiana, vendia maravilhosos quitutes (doces e salgados) na esquina da Sete de Setembro com Uruguaiana. Bem mais tarde, então, casou-se com João Baptista da Silva e se mudou para rua Visconde de Itaúna. A baiana ficou famosa por dar festas (rodas de samba) que duravam dias e eram frequentados por todas as classes sociais. Claro que era tudo na encolha, pois o samba nesta época ainda era perseguido pela polícia.
Finalmente, termino citando o samba da Beija Flor de Nilópolis, de 1988, em comemoração aos cem anos da abolição da escravatura:
“Oh, Mãe Negra faz a festa/O povão se manifesta/Cantando para o mundo inteiro ouvir/Se faz presente a força de uma raça/Que pisa forte na Sapucaí".
Parabéns a todos os amigos, parentes, filhos e netos dos negros brasileiros.
Boa:
Hoje, a partir das 14hs, rola no Sesc Tijuca, o seminário “Samba e Liberdade” com a presença de pessoas do mundo do samba. Grátis. Tel: (21)3238-2100.