Nos últimos dias, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, afirmou em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal que o Rio de Janeiro é “uma terra sem lei”. A partir dessa declaração da maior autoridade do Ministério Público brasileiro, passei a refletir sobre essa questão: Temos no Rio de Janeiro um Estado Democrático de Direito verdadeiro? Estamos realmente vivendo a partir do respeito a normas e regras que harmonizam a convivência em sociedade, exigindo o cumprimento de deveres e garantindo a efetividade de direitos.
Oficialmente, todos os cidadãos do Estado do Rio deveriam ter acesso à justiça, cumprir suas obrigações e usufruir de suas garantias. Com esse objetivo, somos regidos pela Constituição, pelas leis federais, assim como pela legislação estadual, que vigora apenas no território de nosso estado. Porém, quando penso sobre isso, surgem alguns questionamentos: Somos, no Rio de Janeiro, todos iguais perante a lei? O que justifica que alguns tenham privilégios.
Temos hoje garantido o direito de ir e vir, na medida em que andamos com medo nas ruas de nosso Estado e com um transporte público problemático e caro? Temos de fato a garantia a direitos como a saúde, a educação e o saneamento? É possível que a lei seja cumprida em um lugar onde as regras são jogadas no lixo justamente por aqueles que as produzem e executam? Podemos confiar em nossas instituições? Temos segurança jurídica?
É possível dizer que temos uma democracia em uma terra onde certas regiões têm outra lei? A lei do tráfico, a lei da milícia, a lei da contravenção e a lei do suborno prevalecem em diversas áreas do estado. Nesses pontos a lei atua devidamente como definidora de condutas e base para resolução de conflitos? Ou será que vale a palavra do mais forte, do mais poderoso, do que tem mais recursos financeiros ou até bélicos?
Por outro lado, precisamos ressaltar que a lei é feita de direitos, mas também de deveres. A nossa sociedade cumpre seus deveres? Atendemos diariamente aquilo que nos é exigido pelas normas legais? Aceitamos responsavelmente as punições e multas impostas pela lei? Damos o exemplo com relação ao que queremos ver os outros fazendo? Podemos avançar como país enquanto existir o “jeitinho” e as “leis que não pegam”?
A corrupção e o corporativismo prevalecerão se todos esses questionamentos nos apresentarem como resposta que a sociedade não faz questão de seguir as regras, que aqueles que vivem à margem da lei controlam pedaços de nosso território, que os que atentam contra a vida alheia estão rapidamente de volta às ruas e que os que redigem, executam e julgam com base na lei são os primeiros a passar por cima delas.
]Nada de conformismo. A esperança deve sempre seguir existindo. Hoje temos o alento de que a impunidade, irmã da corrupção e do desrespeito à lei, está terminando. As punições estão ocorrendo, independente de quem seja. Isso é fundamental em qualquer sociedade que queira ser civilizada. Contudo, ainda nos vemos muitas vezes em um cenário que parece o dos filmes de faroeste americanos, com instituições que não conseguem exigir o cumprimento das regras, autoridades muitas vezes corrompidas, cada um tentando levar vantagem através da força ou da esperteza e o perigo rondando a cada esquina. Alguns esperam o salvador da pátria, o mocinho do filme, o xerife, enquanto grande parte de nossos parlamentares, fabricantes das leis, debatem mais homenagens e nomes de rua do que soluções para este cenário e se subordinam ao Poder Executivo como forma de atender às demandas clientelistas de uma fatia da sociedade que condiciona o voto a benesses individuais e assim colabora com o ciclo vicioso.
Nesse faroeste caboclo do Rio de Janeiro existem muitas semelhanças com a letra de Renato Russo que não são mera coincidência: Aqui também temos, infelizmente, muitos que desistem de respeitar as regras e sonham em ser bandidos, com ou sem colarinho, para poder comprar tudo aquilo que aparece na televisão. Mas, assim como na música do Legião Urbana, o final não costuma ser feliz.