Vai só até a próxima segunda-feira, 12/08, no CCBB-RJ, a mostra mais completa de Paul Klee (1879-1940) já exposta no Brasil, com 123 obras, além de objetos pessoais, do artista suíço. A entrada é gratuita, o centro cultural deve lotar no fim de semana e, em uma conversa com a curadora Roberta Saraiva, levantamos alguns motivos pelos quais quem não ver deve correr para ver a exposição “Equilíbrio Instável”, cujo nome remete às idas e vindas na carreira de Klee, que demorou para se firmar como artista, especialmente na Alemanha, onde se deparou com problemas diversos – de ordem técnica a política.
Estilo único, oportunidade única
Concentradas no acervo do Zentrum Paul Klee, em Berna, as 123 obras presentes na exposição “raramente saem da Suíça”, adverte a curadora. Isso significa “uma oportunidade única para ver este conjunto [de obras reunidas]”, como na mostra. São 58 desenhos, 39 papéis, 16 pinturas, cinco gravuras e cinco fantoches do artista que, há um século já combinava métodos e técnicas, como tinta a óleo, aquarela, tinta preta, às vezes em uma única obra, em superfícies que iam de tela a papel-jornal, passando por gaze, linho, limalha, linho e papel de parede, entre outras, sobre as quais ainda acrescia carimbos, sprays, recortes a faca e outras adições.
Vale lembrar que, se no CCBB (que no ano passado, também exibiu a maior mostra brasileira do americano Jean-Michel Basquiat [1960-1988]), a expo é gratuita, só uma passagem aérea para a Suíça dificilmente sai por menos de R$ 5 mil.
Trajetória completa
“Equilíbrio instável” percorre toda a trajetória da vida artística de Paul Klee, desde seus desenhos de infância até “A Montanha do Gato Sagrado” (na foto abaixo, à esquerda), sua última pintura, que ele deixou inacabada, ao morrer, em 1940, vítima de esclerodermia. As limitações causadas pelo agravamento desta doença degenerativa e autoimune são detalhadas nos “Trabalhos Tardios”, na penúltima sala da exposição, em quadros de traços marcados pelo endurecimento de tecidos conjuntivos, pele e até órgãos.
Em ambientes anteriores, os visitantes conhecem fases e nuances da progressão de Klee, como os “Caminhos para a Abstração”, que abordam suas incursões pelas diversas vertentes da vanguarda europeia dos anos 1910 e 1920, e os fantoches que ele fazia para o filho, Felix. Em uma saleta à parte, é possível brincar de montar quadros ao estilo dele, com barbantes e tacos de madeira, enquanto se ouve sete músicas que o suíço gostava de ouvir – e de tocar –, de Bach, Beethoven e outros. Além de ter se casado com a pianista Lily Stumpf, Paul Klee tocava violino só se definiu pelas artes plásticas depois dos 30 anos; antes dividiu-as com a música, tendo participado de orquestras.
Neutralidade suíça
Com influências do cubismo, do surrealismo e do expressionismo alemão, tendo lecionado na Bauhaus (escola alemã considerada a primeira de design no mundo, por fundir artes e ofícios), Paul Klee nunca adotou uma corrente. “Isso tem a ver com a vida dele mesmo, com as amizades que ele tinha com o Kandisnky, com o Franz Marc, do Delaaunay, do conhecimento que ele tinha do Picasso. Então, na exposição, você obras que remetem ao cubismo, ao expressionismo, mas ele nunca se encaixou totalmente em nenhuma dessas correntes. Acho que vinha de uma espécie de inquietação que ele tinha”, avalia Roberta, historiadora especializada em museologia pelo Museu Arqueologia da USP.
(Klee fez fantoches para o filho Felix)
Essa inquietação se explica nas diversas passagens conturbadas de sua trajetória artística, a começar por quase não conseguir concluir o colégio, em Berna e, principalmente, na dificuldade que para aprender a dominar as técnicas de coloração de pinturas ao estudar na Academia de Belas Artes de Munique, em 1898, embora se destacasse como bom desenhista. “No terceiro inverno, eu até mesmo entendi que eu provavelmente nunca aprenderia a pintar”, escreveu Klee, em um diário que iniciara no ano anterior. Essa dificuldade ajuda a entender a predominância de desenhos – em sua maioria, porém, (bem) coloridos. Também tem a ver com sua viagem à Itália, em 1901, passando por Roma, Florença, e Nápoles, tendo maior contato com a pintura renascentista e admitindo qque “que um grande esforço me resta neste campo das cores”, conforme escreveu na época. “Essa frustração o levou a estudar mais, a se aprimorar”, destaca a curadora.
Contexto histórico
Na década de 1930, entretanto, Paul Klee se viu atingido por uma dificuldade contra a qual ele não podia fazer nada, além de retratá-la em seus quadros – reação que, no entanto, acabaria lhe trazendo represálias. A ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha levou não só ao fechamento da Bauhaus como à sua demissão da Academia de Düsseldorf, onde ele lecionou entre 1931 e 1933. Klee teve sua vasculhada pelos oficiais do estado e optou por retornar à Suíça no final daquele ano, quando ilustrou a deplorável situação no autorretrato abstrato “Riscado Da Lista”, com um X marcado na cabeça.
Klee ainda voltou à Alemanha, em 1937, mas teve 17 trabalhos incluídos em uma mostra de “arte degenerada”, exposta pelos nazistas para fins de execração pública, e 102 obras apreendidas. Ele acabaria morrendo no início da 2ª Guerra Mundial, em 1940, na Suíça, que conseguiu manter neutralidade durante todo o confronto, mesmo em seu centro geográfico.
Paul Klee – ‘Equilíbrio Instável’. CCBB. Rua Primeiro de Março, 66, Centro (em frente à Candelária). Tel.: 38808-2020. De quarta a segunda, das 9h às 21h. Até 12 de agosto. Entrada gratuita, com distribuição de senhas no térreo. culturabancodobrasil.com.br/portal/rio-de-janeiro.