Rio das Artes: Ih, o cara, aí…

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Foto: Divulgação


Novas travessias dão sempre boas partidas na trajetória de Helio Antonio do Couto Filho. No grid das seis décadas de vida, desde a Vila da Penha que lhe deu o apelido, quatro (mais um ano) como fundador da Casseta Popular e uma como nadador no mar de Copacabana, Helio de La Peña dá a largada agora como integrante atual formação do Comédia em Pé, grupo mais antigo de stand up comedy do Brasil, em cartaz com pocket show às quintas-feiras, até 12 de setembro no Galeria Café, em Ipanema. 

Nessa conversa, o “humorista de água abertas”, como ele se define, fala sobre o desafio de se apresentar cara a cara com a plateia, piadas, racismo, interação com o público, autoritarismo político contra o humor e, claro, da turnê do Casseta & Planeta, que volta aos palcos em outubro, após 20 anos. Só não falamos de futebol, porque ele é botafoguense e, então, seria sacanagem.

Como você encarou o desafio de passar a fazer parte de um grupo de stand up? 
Na verdade, esse não é o nem primeiro do qual eu faço parte. No ano passado, em agosto, eu entrei para o primeiro grupo de stand up de comediantes negros, a maioria em São Paulo, que é o Coisa de Preto. Temos feito menos shows, mas eu ainda faço parte desse grupo. Paralelo a isso, eu vinha fazendo um show, meu e do meu parceiro Mu Chebabi, que é músico, compositor [guitarrista, diretor musical do C&P], um show de música e stand up, “Crise no Show Bizzi”. Então, nesse ano, fui convidado pelo Claudio Torres [Gonzaga, fundador do Comédia em Pé]. Já havia feito várias participações no Comédia em Pé, pouco depois que o Casseta & Planeta parou, por volta de 2011, 2012, mas sempre foi uma coisa esporádica. Mais recentemente, eu tenho feito com mais frequência. 

Qual o maior desafio em relação a escrever e atuar para TV, internet? 
Quando você tá gravando um vídeo para TV, para a internet, não tem a plateia ali na frente, julgando cada frase sua. Quando tá no palco, quer que todas as piadas que você bolou encaixem, né? A resposta é imediata, então isso dá uma tensão maior do que gravando, que não tem esse desafio e ainda tem uma porção de outros recursos que te ajudam. Ali, é você, o microfone e a plateia, em uma relação muito mais crua. Por outro lado, esse desafio é muito bacana, porque, quando dá certo, você fica muito satisfeito. 

Humor ainda tem isso, né? A resposta tem que vir na hora, não é como drama, em que a plateia pode assistir calada e tudo bem…
É, mas tem nuances. Às vezes, tem cara que assiste e gargalha o tempo todo, mas, chega no final e ele nem lembra direito o que foi falado. E também o que nem gargalha tanto, mas que depois fala contigo ‘pô, que sacada boa’, rola uma associação legal, especialmente quando você faz uma zoada com um assunto com que o cara se identifique. Enfim, tem várias reações bacanas que podem acontecer. 

O stand up já era muito popular nos Estados Unidos. Tem alguma diferença muito grande em como se faz esse formato aqui no Brasil?
No Brasil, isso já vinha acontecendo em shows solo. Os grandes comediantes do passado, eles faziam stand up, eles só não davam esse nome. Chico Anysio sozinho no palco, Jô Soares também fazia, Agildo Ribeiro, Costinha.

Mas eles tinham personagens, que o stand up strictu sensu não usa…
Não, mas, no palco, o Chico Anysio não fazia personagem nenhum, como ele fazia na televisão. Ele fazia ele o microfone e mandava ver. Agora, com o recurso de vozes – que, no stand up, também tem. Quem também tem a capacidade de imitar vozes, usa esse recurso. E tinha outros estilos, do José Vasconcellos, do Ary Toledo, que era mais de contar piadas; tinha o Juca Chaves, combinando música com humor. Aí, mais recentemente, os brasileiros começaram a fazer esse formato de stand up mais próximo ao americano. O que eu fico muito satisfeito é que o Comédia em Pé foi o primeiro grupo de stand up do Brasil e me juntar ali e fazer parte desse elenco é muito bacana; para mim, é uma honra.

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Claudio, à frente da ex-integrantes do Comédia em Pé, como Fernando Caruso e Fábio Porchat

Sente falta de personagens com figurino, como na TV?
Nenhuma, porque eu danço conforme a música. Quando gravo para a televisão, uso os recursos da televisão; quando estou escrevendo um livro, vou usar aquela mídia. Então, o desafio é justamente de fazer o stand up dentro do que ele se propõe. 

Um local pequeno, como o Galeria Café, assusta mais do que um teatro?
Pelo contrário. Uma plateia mais próxima é muito legal para o stand up. A proximidade gera uma intimidade e você acaba indo mais fundo assim porque essa cumplicidade te deixa mais livre. 

Uma questão mais polêmica… como é a sua relação com piadas de preto. Você faz? 
Claro. Quando estava com o Coisa de Preto, esse era o editorial. Fazer piada com situações de racismo é uma pauta em que todos nós do grupo, alguma hora, cada um ia esbarrar. E, agora, também, sempre faz parte.

É algo que já te incomodou?
Geralmente, a piada que incomoda é a piada ruim. Quando não tem qualidade, ela só apresenta os defeitos – aí, você começa a levar a sério, a discutir. Quando a piada é inteligente, você entende o contexto, sabe? Hoje, inclusive, acho que tem um problema de interpretação de texto… As pessoas começam a analisar piada como se fosse uma tese de sociologia – assim, não funciona. Agora, hoje tem uns estereótipos tão repetidos, que ficaram batidos. Então, você parte daquilo e vai para outro caminho. Nas piadas que eu costumo fazer, você percebe que o ridículo é o racista, é a lógica racista. Quando você transforma isso em piada, muita gente acaba se tocando “nossa, nunca tinha me tocado disso!”. É esse aspecto que eu acho interessante.

No C&P, vocês faziam piada com seus próprios estereótipos: preto, judeu…
Com a  Casseta Popular e o Planeta Diário [os dois veículos viriam a se fundir], a gente começou ali no finalzinho dos anos 1970, pegou todos os anos 1980. O governo Figueiredo ainda estava em vigência, ainda era ditadura militar. Depois, Tancredo foi eleito e morreu, o Sarney assumiu, e, logo depois, veio o TV Pirata, do qual nós éramos alguns dos autores. Era um humor libertador, porque a gente vinha de 20 anos de ditadura, em que não se podia nada. O espírito era assim… “qual é o limite aqui? É esse? Então, vamos arrombar essa porta”. A gente ia ao extremo e o público estava imbuído desse espírito. Hoje, é outro, você tem uma participação muito grande de quem está assistindo e uma preocupação de ser menos agressivo… menos escroto, digamos assim (risos). 

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Casseta & Planeta foi processado pelo primeiro disco, 
“Preto Com um Buraco no Meio”

É um outro momento, em que as pessoas se incomodam mais – algumas vezes, com razão; outras, com exagero. Tem uma preocupação com o politicamente correto, com o limite, que é uma preocupação que a gente não vivia na época do Casseta & Planeta. 

Um problema que eu vejo hoje é as pessoas olharem no retrovisor e quererem que as pessoas, há 30 anos, se comportassem de acordo com o que hoje se pensa. As coisas têm que ser colocadas nos seus devidos contextos.

Passados esses anos, cresceu agora a ameaça à liberdade de expressão hoje por parte do governo, sob o Bolsonaro, ou ele é mais um novo bom motivo de piada?
Nós já tivemos ataques ao Danilo Gentilli, que inclusive apoiou a campanha do Bolsonaro. Agora, quando ele achou que era demais indicar o filho para embaixador nos Estados Unidos e fez uma piada, o Bolsonaro reclamou, os bolsonaristas reclamaram. Esse tipo de coisa a gente já viu algumas vezes. [NR: depois da entrevista, no domingo 25 de agosto, Marcelo Madureira, cofundador da Casseta Popular com Helio de La Peña, precisou sair escoltado pela PM de um ato contra a Lei de Abuso de Autoridade, ao ser ameaçado por apoiadores de Jair Bolsonaro, após criticar a postura do presidente no caso].

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O governo Lula também fez uma pressão, não foi? Lembro de gente do C&P comentar.
Nisso, tanto o governo do PT quanto o do Bolsonaro se parecem, porque têm um autoritarismo embutido e não gostam de ser retratados de uma forma… jocosa, digamos assim. Chegaram ao poder sempre com muito apoio e no ataque, tacando pedra e quebrando as vidraças. Mas, quando você vira o poder, você é a vidraça – e se incomoda com as pedras que chegam em você. A gente tem o canal do Casseta no YouTube e faz piada com o [Alexandre] Frota, com o Luciano Huck, com o Aécio… mas, quando a gente faz piada com o Lula, os petistas acham que é só com o Lula. Com o Bolsonaro, os bolsonaristas, também, acham que é só contra ele. 

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Casseta Popular, zoando políticos das mais variadas tendências, na capa, em 1990

Para fechar, hoje você passou a ser nadador de águas abertas, além de escrever livros. Depois que o C&P deu uma parada, isso acabou abrindo um espaço para voos solo de cada um, não?
Claro. O que acontece? A gente tinha uma dedicação exclusiva ao programa de TV, que começou mensal. Quando virou semanal, a gente parou de fazer shows. A gente era ator às segundas e terças e autor no resto da semana, então não sobrava espaço para nada. Agora, está tendo essa oportunidade de retomar, vamos fazer, a partir de outubro, nossa turnê pelo Brasil.

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Nos anos 1980, com a Casseta, entrando no meio de Bussunda e Claudio Manoel


Seria inviável se estivesse com o programa no ar. E teve os espaços para os projetos solo… os documentários do Claudio Manoel, que começaram lá com o Simonal, passaram pelos dois sobre humor e tem um sobre o Chacrinha vindo na sequência, o Beto [Silva] vai lançar seu novo livro, um romance de humor policial. Eu fiz uma novela, uma série, estou no mundo do stand up e ainda tive espaço para descobrir a minha veia esportiva. Hoje, sou um humorista de águas abertas (risos).

Comecei a nadar em 2009, faz dez anos agora. Quando completei 50 anos, achei que precisava fazer alguma atividade física para me manter em forma e, como não gostava de ir para academia, procurei um esporte para fazer. Já tinha um namoro com a natação e resolvi levar a sério e nadar no mar, em Copacabana, e não me arrependo. Adorei. Maravilhoso.

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Selfie no Mar de Copacabana


(Fotos: Reprodução)
Comédia em Pé. Galeria Café. Rua Teixeira de Melo, 31, Ipanema (quase na Praça General Osório). Quintas-feiras, às 21h, com abertura da casa às 20h30. Até 12 de setembro. Ingressos: R$ 25 (na porta) / R$ 20 (antecipados, no site Sympla. Capacidade: 80 pessoas.
Comédia em Pé PocketQuinta, 22 de agosto de 2019, 21h-23h.

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Jornalista especializado em versatilidade desde 1998, de polícia a política, já cobriu das eleições de 2010 à recessão econômica de 2015/2016. Colabora com o canal Rio das Artes, divulgador de cultura e entretenimento na Cidade Maravilhosa.

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