Louise começou a fazer aula de música na escola e revelou surpreendente gosto e talento para a coisa. De um dia para o outro, a casa foi preenchida pelo som da flauta doce e suas notas em princípio um pouco hesitantes e finalmente seguras e firmes. Logo, não havia mais hora para ela praticar o instrumento, o mesmo que aprendi quando tinha a sua idade, 9 anos.
– Fu, fu, fuuu, fu, fu, fuuu, fu…
– O que é isso, minha filha?
– Ué, pai, Barcarolle, já toquei muitas vezes, não lembra?
– Eu sei, eu sei, mas são 6 da manhã. Não está um pouco cedo?
– Ando sem tempo, preciso praticar agora.
– Ah…
Apesar de seus dias lotados, Louise foi obrigada a restringir os ensaios a horários mais adequados, para o bem do sono de toda a vizinhança. Com tanta dedicação, o repertório ensinado nas aulas logo não era mais suficiente, e ela foi atrás de outras músicas. A primeira foi Yellow Submarine. Fiquei tão empolgado que cantei junto.
– In the tooown where I was booorn…
– Pai.
– …lived a maaan who sailed to seeea.
– Pai!
– O quê?
– Pode parar? Tá atrapalhando.
Contrariado, fiz bico e fui pro meu canto. Mas a melodia dos Beatles continuava a invadir a casa e me levou de volta para meus dias imberbes, trazendo-me à memória o Bode, flautista que morava em uma casa vizinha à minha e passava os dias soprando pelos vastos gramados de Brasília os maiores sucessos da época.
Eu escutava aquilo com atenção e depois tentava reproduzir em casa as melodias, mas sem o mesmo sucesso do Bode, profissional na matéria. À custa de muito esforço e da paciência da família e dos vizinhos (tmj, Louise!), consegui decifrar algumas. Meu auge foi quando fiz na flauta a introdução de saxofone de Your Latest Trick, do Dire Straits, que cheguei a ensaiar em duo, com meu amigo André acompanhando no violão.
Minha carreira de flautista foi entretanto efêmera e a decadência veio imediatamente após o curto apogeu, pois abandonei a flauta nesse mesmo dia, quando o André me ensinou os primeiros acordes no violão. A única música que ainda consigo tirar do antigo instrumento é A Barquinha, a primeira que aprendi, também na escola.
Meus devaneios misturaram-se à realidade quando a Louise começou a tocar exatamente as primeiras notas de A Barquinha, que havia aprendido naquele mesmo dia. A execução foi quase perfeita, só errou a nota final. Pedi para ela me emprestar a flauta e reproduzi a melodia inteira. Louise observou e me tomou o instrumento das mãos, impaciente para corrigir a própria performance. A medida que ela ia avançando, eu fazia as notas com a boca, tentando orientá-la. Ela parou de soprar e olhou para mim.
– Pai!
– O quê?
– Posso te falar uma coisa?
– Claro! – Já imaginava que fosse me agradecer por ter ensinado o detalhe que faltava.
– Para de cantar junto. Tá atrapalhando!
Voltei pro meu canto, no maior bode.