‘A Cachorra’: emoções extremas e a face inquietante da maternidade

Opinião da colunista Márcia Silveira sobre o livro ''A Cachorra'', da autora colombiana Pilar Quintana

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Capa do livro ''A Cachorra'' - Foto: Divulgação

Foi com total despretensão que comecei a ler ”A Cachorra” – é um livro curto e achei que seria uma leitura leve para o momento de dormir. Não poderia estar mais enganada. É uma leitura rápida, sim, mas densa e cheia de significados.

No livro, a autora colombiana Pilar Quintana conta a história de Damaris, personagem que possui um passado traumático e cuja maior frustração é não conseguir realizar o sonho de ser mãe. Damaris mora com o companheiro Rogelio num povoado no litoral colombiano, onde os dois cuidam da casa de veraneio de uma família. Um dia, Damaris adota uma cachorrinha e dá a ela o nome que daria à filha que não teve: Chirli.

”O povoado de Damaris era uma rua comprida de areia firme, com casas de lado a lado. (…) Damaris estava com um pouco de medo da reação de Rogelio ao ver a cadela. Ele não gostava de cachorros e, se os criava, era apenas para que latissem e cuidassem da propriedade.”

A personagem transfere para a cachorra todo o amor que guardara para os filhos que não pôde ter. Porém, a relação entre as duas começa a ficar complicada a partir da primeira vez em que a cachorra foge de casa – ela sempre volta, mas Damaris se sente traída e rejeitada pelo animal a quem deu tanto amor. Os sentimentos de Damaris, sempre extremados, vão se modificando e a afeição que sentia pela cachorra se transforma em indiferença, revolta e rancor. Tudo se torna ainda pior quando ela descobre que a cachorra está grávida, o que faz despertar também um ímpeto de vingança.

”Assustada, a cachorra deu um pulo e depois lançou a Damaris seu olhar de cachorro perdido, ou talvez horrorizada, e começou a se afastar dela, da que antes tinha sido sua aliada e agora cometia contra ela a maior das traições. Tinha o rabo entre as pernas e a cada instante virava a cabeça, vigiando sua retaguarda, e Damaris teve a impressão de que agora sim havia se rompido entre ambas algo irreparável. Ao contrário do que esperava, isso lhe doeu.”

A autora declarou em entrevistas que escreveu o livro no celular enquanto amamentava seu filho. E que seu objetivo era mostrar que a maternidade não é feita apenas de momentos ternos e amorosos, como é mostrado na publicidade e anunciado pela sociedade. Segundo Pilar, há uma agressividade instintiva na maternidade, algo muito mais inquietante do que estamos costumados a ver.

Na relação entre Damaris e a cachorra estão presentes as emoções ambíguas que fazem da relação entre mãe e filho essa matéria complexa: o amor quase sufocante, o sentimento de abandono e traição, a raiva desmedida. ”A Cachorra” é um livro cheio de reflexões sobre relacionamentos, desigualdade social, expectativa com o outro e, é claro, romantização da maternidade.

”A Cachorra” foi lançado em 2017. No Brasil, foi publicado em 2020 pela editora Intrínseca, com tradução de Livia Deorsola.

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Nota
A Cachorra
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Bacharel em Filosofia, pós-graduada em História da Arte. Escritora e revisora. Mãe do Bruno e da Daniela. Bibliófila.
a-cachorra-emocoes-extremas-e-a-face-inquietante-da-maternidade Foi com total despretensão que comecei a ler ''A Cachorra'' - é um livro curto e achei que seria uma leitura leve para o momento de dormir. Não poderia estar mais enganada. É uma leitura rápida, sim, mas densa e cheia de significados. No livro,...

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