A Criptomoeda como inovação no mercado imobiliário

Leandro Sender e Priscilla Ferreira, do escritório Sender Associados falam sobre o uso de criptomoedas no mercado imobiliário

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Foto de Crypto Crow/Pexels

Leandro Sender e Priscilla Ferreira, do escritório Sender Associados

Não há como começar um texto sobre novas tecnologias sem antes traçar uma breve explicação sobre o início da internet e seu momento atual. A chamada Web 1.0, período entre 1990 e 2000, ficou marcado pelo início do acesso à internet, onde os sites eram basicamente estáticos e possuíam baixa interação. A Web 2.0, que se iniciou em 2000 e perdura até os dias de hoje, conserva o estabelecimento das Big Techs, onde é possível verificar uma maior interação nos sites e a migração do comércio para o universo online. E, por fim, a Web 3.0 é tudo aquilo que está por vir.

E é neste ponto que o avanço da tecnologia nos últimos anos vem influenciando o comportamento humano e modificando, a todo instante, as relações sociais e comerciais, principalmente no mercado imobiliário. Entre as futuras e impactantes inovações tecnológicas no setor está a utilização das criptomoedas nas operações imobiliárias. Mas, apesar de ainda haver desconhecimento e receio em relação ao uso das criptomoedas, a praticidade que será proporcionada pelo uso desta tecnologia, permitirá melhorias no planejamento e gestão de projetos imobiliários; simplificação na aquisição de insumos de construção e contratação de serviços e; possibilitará a desburocratização de negociações de compra e venda e pagamentos de aluguéis.

Para facilitar a compreensão, a criptomoeda é um ativo digital protegido por criptografia, que, assim como o dinheiro físico, é utilizada como meio de troca. A criptomoeda, também chamada de moeda digital, permite a realização de transações através de um banco de dados público descentralizado – isto é, sem ligação com instituições financeiras e Banco Central – onde ficam armazenados detalhes sobre as negociações, conhecido como blockchain (sistema que funciona como um grande banco de dados). A compra de uma criptomoeda pode ser feita individualmente (ponto a ponto); por meio de uma corretora, que permita o investimento em fundos com este ativo, ou; em uma bolsa de valores de criptomoedas.

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Vale ressaltar que a criptomoeda se difere do Real Digital, que está em vias de ser criado, eis que esta moeda digital será emitida pelo próprio Banco Central, com um valor estável. Logo, o Real Digital, assim como a maioria das moedas digitais, terá como características a centralização e a estabilidade, justamente por ser uma versão virtual do dinheiro físico – diferentemente do que ocorre com a criptomoeda, que tem o preço definido pelo próprio mercado e é emitida por um banco de dados público descentralizado.

De todo modo, apesar de tratar-se de uma recente tecnologia, as criptomoedas já possuem utilização no mundo atual, uma vez que é a moeda utilizada em qualquer transação no metaverso[1]. No tocante ao mercado imobiliário virtual, recentemente algumas plataformas como Sandbox[2] e Decentraland[3], por exemplo, comercializaram terrenos virtuais, adquiridos através de criptomoedas e representados por NFTs (Token não fungíveis – bens digitais únicos e exclusivos)

Ocorre que a utilização das criptomoedas ainda não é regulamentada no direito brasileiro, situação que gera receio em relação ao seu uso. Por outro lado, é preciso ponderar que a sua comercialização tampouco é ilegal, tendo o direito e os órgãos governamentais respondido, ainda que de forma devagar, à esta mudança nas relações sociais. Por exemplo, em 2014, a Receita Federal adotou o entendimento de que criptomoedas são bens incorpóreos, e, portanto, devem constar na Declaração de Imposto de Renda. Na sequência, a Receita Federal disciplinou a obrigatoriedade de comunicar à Secretaria da Receita Federal todas as operações realizadas com moedas virtuais (IN nº 1888/19), trazendo, então, a possibilidade de negociações com criptoativos. E, em 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o ofício circular nº 11/2018, autorizando investimentos indiretos (por meio de bolsas de valores, corretoras e fundos) em criptoativos. Assim, apesar de não existir nenhuma lei nacional que regulamente essa questão – embora haja projeto de lei (nº 4401/2021) em trâmite na Câmara dos Deputados – os investimentos em criptomoeda são permitidos, desde que sigam a específica orientação dos entes públicos.

Diante desse cenário, percebe-se que há uma tendência cada vez maior na digitalização de pagamentos para facilitar as operações comerciais.

Nos parece bastante interessante o uso das criptomoedas nas transações imobiliárias entre empresas do setor, como, por exemplo, forma de melhorar o planejamento de gestão de projetos no mercado imobiliário e de adquirir insumos de construção e contratar serviços, assim como também entre empresas e pessoas físicas, como meio de simplificar as negociações de compra e venda e o pagamentos de alugueis. Inclusive, esta movimentação, apesar de tímida, vem sendo adotada por empresas que apostam nas tendências disruptivas[4].

Não obstante, é preciso ponderar que ainda existem divergências jurídicas quanto ao uso de criptomoedas, sobretudo em contratos de compra e venda. Os arts. 315 e 481 do Código Civil estipulam que a transferência do domínio de determinado bem e a quitação das dívidas em dinheiro só poderão ocorrer por meio de pagamento em moeda corrente e pelo valor nominal. Ocorre que as criptomoedas ainda não são reconhecidas pelo Banco Central como moedas oficiais e não podem ser convertidas para as moedas nacionais. Desta forma, um contrato de compra e venda em que se estipula o pagamento por meio de criptomoeda não teria validade e seria, portanto, nulo. Assim, em relação ao contrato de compra e venda, a doutrina vem adotando entendimento de que, a permuta (art. 533 do Código Civil) e a dação em pagamento (art. 313 do Código Civil) poderiam ser alternativas, porquanto nestas, ao invés do pagamento ser em moeda corrente, a transferência da coisa pode se dar com a entrega de outra com valor equivalente. Em outras palavras, estar-se-ia permutando o imóvel pelas criptomoedas, ou seja, apesar de não se tratar de uma compra e venda propriamente dita, a conclusão do negócio jurídico alcançaria o fim proposto pelas partes. Tal questão apenas demonstra que existem dificuldades a serem superadas, mas que o avanço desta forma de negociação digital, certamente simplificará e modernizará as relações jurídicas existentes, a exemplo da compra e venda.

De todo modo, entendemos que, desde que respeitados os limites legais, a exemplo da boa-fé contratual (art. 422 do Código Civil), a função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e a plena liberdade de contratar (art. 104 do Código Civil), é possível que que essas negociações sejam reguladas contratualmente. Em linhas práticas, o ideal seria a elaboração de um contrato físico em conjunto a um smart contract, (“contratos inteligentes”) que são, na realidade, programas que se executam de forma automática no momento em que as condições do negócio são atendidas e, ante a utilização da tecnologia blockchain[5]. Não há qualquer óbice legal na elaboração de um “contrato virtual”, ante a expressa previsão do art. 425 do Código Civil sobre a possibilidade de as partes estipularem contratos atípicos. O importante é que o contrato, seja ele físico ou virtual, possibilite, de forma clara e objetiva, com cláusulas típicas e atípicas, a segurança e a operacionalização da transação.

O uso das criptomoedas é uma inovação ao mercado imobiliário e, como toda tecnologia disruptiva, deve ser regulamentada para que seja possível proporcionar segurança jurídica nas transações comerciais envolvendo meios de pagamento digitais, assim como também proporcionar a modernização de relações jurídicas no mercado imobiliário, como é o caso das divergências relacionadas à compra e venda. Mas, considerando o crescimento exponencial das transações com criptomoedas e o reconhecimento deste ativo por órgãos públicos, mostra-se positiva a sua utilização por empresas e pessoas físicas do setor mercado imobiliário, que, cada vez mais deverão buscar soluções para simplificar as negociações comerciais.


[1] O metaverso é um conceito do mundo virtual, por meio do qual é possível integrar o mundo virtual à realidade aumentada. Na prática, pode ser compreendido como uma realidade aumentada, isto é, um ambiente virtual imersivo.
[2] https://twitter.com/thesandboxgame/status/1227283832388407296
[3] https://decentraland.org/
[4] https://exame.com/future-of-money/gafisa-aposta-nas-criptos-e-passa-a-aceitar-bitcoin-na-venda-de-imoveis/
https://livecoins.com.br/mrv-engenharia-registro-de-marca-para-aplicativo-de-criptomoedas/
https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/marta-sfredo/noticia/2022/03/uma-das-maiores-construtoras-gauchas-    passa-a-aceitar-bitcoins-na-venda-de-imoveis-cl0l4af4s003k01658dwpdose.html
[5] Para saber mais: https://www.walfirm.com.br/blog-posts/o-nft-como-garantia-locaticia

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