Passei 2023 e boa parte de 2024 rodando o Brasil inteiro fazendo pesquisas qualitativas – uma construção de captação do imaginário popular, das tendências, dos sentimentos e das percepções. E, em todos os lugares, sem exceção, jamais houve um feedback do povo no sentido de pensar em votar num prefeito por ideologia, de direita ou esquerda, Bolsonaro ou Lula.
A eleição municipal, não sou que digo isso, foi a população, é a avaliação da saúde – o posto de saúde funciona? Tem medicamento? Hospital tem médico? Resultados de exames demoram? – da educação, da mobilidade, do emprego e de muitas outras variáveis. Em cada cidade, há particularidades, cenários movidos pelo conhecimento e avaliação dos candidatos, desejos de mudança ou continuidade – e, vá lá, algumas escolhas que são bem difíceis de entender ou explicar cientificamente.
Não foi porém, uma eleição de direita ou esquerda. E nem centro. Quando se acessa o número de prefeitos eleitos ligados ao Centro, ao sistema, isso não quer dizer absolutamente que em 2026 um candidato do Centro levará vantagem.
O Brasil, nas eleições presidenciais, ao senado e ao Congresso, em 2026, explicitará, aí, sim, o seu lado. A partir de agora voltamos à defesa de valores conservadores e progressistas, às pautas nacionais, à economia e a narrativas sobre corrupção, STF e demais mesmices.
O coração da política volta a ser Brasília e não mais o asfalto na porta de casa.
Houve, de fato, nessa eleição municipal, o surgimento de um novo ator que assustou a soberania de Bolsonaro, o frenético Pablo Marçal. Mas o empresário errou a dose. Campanha eleitoral não é lançamento de produto digital. Não dá para usar a mesma fórmula. E Marçal se perdeu em muitos momentos: nos debates, por vezes soava over, agressivo demais; no laudo falso deu passo errado quando não precisava; seu personagem foi ficando controverso demais para a consolidação de voto.
Mas, se, sempre o SE, se ele fosse ao segundo turno, venceria Guilherme Boulos, que liderava as pesquisas há dois anos e era superestimado pela posição no cenário, posição que, em eleição, não é estática. Um candidato a prefeito numa máquina produtiva como São Paulo jamais sentará na cadeira com um passado de invasão de propriedade privada.
No Rio, passamos 2024 inteiro ouvindo que, quando as pessoas soubessem que o delegado Ramagem era o candidato do Bolsonaro, a eleição viraria. Como se um abraço do ex-presidente bastasse e ele virasse um novo Witzel na porta de Eduardo Paes. Ora, os cariocas olhavam para Paes, segundo as qualitativas, como o sujeito que deu solução para os problemas deixados pelo antecessor, Marcelo Crivella, e, nesse sentido, a imagem de Paes estava sólida. Para os cariocas, Saúde e Educação teriam melhorado.
Por muitos meses, em estudos que fizemos, a segurança era a única coisa que pegava no fígado de Paes, mesmo sem ele ter nenhuma responsabilidade sobre a área. Os cariocas consideravam que ele tinha sua parcela de culpa para o estado deplorável da qualidade de vida na cidade.
O erro fatal dos opositores de Paes é que demoraram demais para entrar nesse tema, já que nada mais pegava nele. E já sabíamos disso desde o começo de 2023 com o monte de dados que agregamos em nossas pesquisas. Quando, enfim, se percebeu que a areia movediça de Paes era a segurança pública foi tarde demais. Não pegou. E, quando começou a pegar um pouco, Paes moveu a peça primordial: conectou Ramagem ao governador Cláudio Castro, cuja imagem sofre com a sensação de medo que impera no estado atualmente, na qual as pessoas não conseguem mais sair de casa sem estado de pânico.
A segurança, sim, era o que pegaria na mão de um marqueteiro sagaz, porque o modo de ver o tema divide, na teoria e na prática, direita e esquerda. A direita pede penas mais duras, encarceramento, polícia mais neutralizadora nas ruas; a esquerda, especialmente a extrema esquerda, pede o fim da polícia militar e é a favor da saidinha de presos. Se essa narrativa colasse em Paes no ano passado ele teria sérias dificuldades em 2024. Mas deixaram isso para lá.
Em 2026, nesse entrelace de estudos de alianças, troca de poder no Congresso e nos partidos, bastará um aceno à segurança ou à mudança de rumo na economia para que conheçamos de verdade os atores principais do jogo.
Por enquanto fiquemos com a irreal análise de que os prefeitos eleitos de um lado, do outro ou do Centro é que ditarão a escolha do presidente, do governador e senador. Fiquemos aqui com a lembrança de que Eduardo Paes tinha o apoio de 89 dos 92 prefeitos do estado do Rio para virar governador em 2018 e foi atropelado pelo juiz Wilson Witzel.