A importância dos museus (que ainda não existem) nas cidades brasileiras

Faltam museus, mas não falta memória. Devemos olhar para o colecionismo como ponto de partida para criar museus históricos em cidades e núcleos populacionais do país, capazes de valorizar identidades locais e democratizar o acesso ao patrimônio.

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Foto: Casa de Cultura Presidente Tancredo Neves (Vassouras) / Rafael Azevedo

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O colecionismo é um fenômeno associado à história do Brasil desde o período colonial. Viajantes, naturalistas e parte da elite de então reuniram objetos por interesse científico, estético, afetivo ou por demonstração de gosto e requinte, dando origem a acervos que, muitas vezes, anteciparam os próprios museus brasileiros.

Durante o Império e os primeiros anos da República, coleções particulares deram origem a museus que hoje são referência nacional, como no caso da formação de parte do acervo do Museu Nacional, do Museu Paulista e do Museu do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB. Tantas outras iniciativas individuais impulsionaram a formação de acervos históricos, artísticos e científicos. Esses casos mostram que a prática do colecionismo é, muitas vezes, o primeiro passo para experiências museais relevantes e perenes.

Colecionar é um ato imanente à natureza humana. Preservar objetos, dar sentido a eles e organizá-los é uma forma de mitigar a ação inexorável do tempo, em benefício da memória que se pretende salvaguardar. Por isso, os órgãos de patrimônio nas diferentes regiões do país devem reconhecer esse gesto como legítimo e estimulá-lo, oferecendo apoio técnico, orientação institucional e caminhos para que coleções locais se tornem experiências museais sustentáveis e acessíveis.

Em muitas cidades fluminenses, a criação de museus históricos é uma necessidade real. A ausência desses espaços não indica falta de passado, mas a falta de estruturas capazes de acolher memórias — da erudita à oral. Museus locais podem reunir diferentes formas de narrativa e criar vínculos de pertencimento e autoestima nas comunidades, além de incentivar a transmissão intergeracional de saberes.

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Interior da igreja São Joaquim da Grama (Rio Claro) / Foto: Rafael Azevedo

Esses acervos já existem: estão em casas, arquivos de igrejas, escolas, clubes, associações de bairro. Transformá-los em museus não exige apenas recurso financeiro ou espaço institucional, mas políticas públicas que reconheçam o valor da memória local e incentivem seu estabelecimento com base em boas práticas museológicas. A presença de um museu histórico em uma cidade não é um luxo: é uma ferramenta de fortalecimento cultural e social.

A meu ver, os colecionadores são, nesse processo, protagonistas. Muitas vezes, são eles que guardam objetos, histórias e documentos que poderiam ser perdidos, não fosse seu cuidado. Com a identificação desses atores culturais, apoio e reconhecimento, podem se tornar curadores de museus comunitários vivos, com raízes no território e vocação pública.

Não obstante tudo o que apontamos acima, a ação predatória do mercado deve, sim, ser fiscalizada e depurada. Nosso propósito não é pintar um cenário utópico em que todo o comércio de artes e antiguidades trabalha pela preservação. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, presente em todas as unidades federativas por meio das 27 superintendências estaduais e 37 escritórios regionais, tem papel estratégico nesse cenário – e efetivamente atua na restituição de bens procurados, recuperando, na casa das dezenas, peças a cada semestre.

Uma vez que o órgão do patrimônio nacional é a única opção para muitos povos que estão atentos à preservação de suas memórias – justamente por ser a organização do Ministério da Cultura mais alastrada no país –, incluir o colecionismo e os processos museais autóctones nas políticas de valorização de acervos contribui para a salvaguarda do patrimônio cultural esmerado pelas comunidades e amplia seu potencial educativo e comunicativo para toda a sociedade.

O Brasil precisa dialogar com seus colecionadores. Ainda hoje, eles são vistos com desconfiança por setores institucionais, quando deveriam ser considerados aliados fundamentais na proteção ao patrimônio. Em vez de serem ignorados, devem ser reconhecidos como colaboradores estratégicos na criação de museus históricos nas cidades brasileiras – espaços que valorizem o passado e inspirem o futuro.

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1 COMENTÁRIO

  1. Boa noite. Sou colecionador de antiguidade e tenho interesse de montar um museu que conte a história da água em nosso RJ.
    Começando pelo rio Carioca, os aguadeiros, a primeira malha ferroviária construída para sanar o problema hídrico da sidade.
    Em minha coleção eu conto com um acervo de peças do tempo do Brasil colonial, as primeiras bombas d’água do Séc 19 e 20, fiz a réplica de uma linha férrea para ajudar a contar a história do saneamento, entre outras.

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