Benedict Anderson (em seu clássico “Comunidades imaginadas”) afirma algo com que concordo desde sempre: o idioma é a força maior que sensibiliza pessoas a unirem-se em torno do que podem chamar “nação”, em contraposição à ideia de “estrangeiro”. Em seu capítulo V (“línguas antigas, modelos novos”), ele vasculha com singular profundidade a gramática e o dicionário na formação de línguas nacionais no Oriente e Ocidente.
A par dele, eu já observara que um país como a Finlândia (cuja democracia não foi radicalmente jamais abalada, nem na “guerra dos 31 anos”, entre 1914 e 1945) só se conclamou nação quando seu idioma oficial passou a ser o antigo vernáculo, o finlandês. Antes, o sueco era a língua oficial do país; em seguida, colonizada pela Rússia, o russo foi sua língua imposta.
A própria decomposição da URSS, em dezembro 1991, revelou contornos cartográficos esperados: o mapa da Europa se remodelou prioritariamente em função de idiomas; os países bálticos (Letônia, Lituânia e Estônioa) e os buliçosos balcãs se definiram, antes (não exclusivamente, contudo), por seus idiomas-pátrios. Distantes de ideologias em comum, de fidelidades milenares a todo um conjunto de símbolos respeitados, o idioma (se me permitem o trocadilho) falou mais alto e desagregou-os da (desejada) sombra soviética. A própria Hungria teve um período soviético (isto é, governada por sovietes), que fracassou em grande parte por conta do orgulho que os húngaros encapsulam de sua ascendência de Átila, rei dos hunos (de onde vem a palavra “Hungria”), e pelo fato de o idioma magiar não ser “eslavo” (literalmente, “escravo”), como o russo, nem “iugoslavo” (‘escravo do sul”), nem da Bulgária ou Vulgária (literalmente, “terra dos vulgares”), nem valáquio (atual romeno), mas um idioma de pedigree.
Não se pode “cantar” (ou seja, com letra), ainda hoje, o hino da Espanha em eventos como os da FIFA (a maior organização de países do mundo, com uma dezena a mais do que a própria ONU) para não ferir e acirrar as suscetibilidades do frágil campo minado de “idiomas espanhóis”: madrilhenho, castelhano, catalão, basco, galego…?
A estranha tentativa de agrupar (em 1867, creio) um império “austro-húngaro” não pôde terminar de outra forma – senão com “a guerra das guerras” (a I guerra mundial), nas palavras de Hobsbawn e Breuilly, com o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, que, depois de 4 anos, enterrou consigo a milenar dinastia de Habsburgo, a mais forte que a Europa consolidou, a qual dominara o Sacro Império Romano Germânico, a Áustria, a Hungria, a Boêmia, a Comundade Helvética, a Tchecoslováquia, a Polônia etc., etc. Tudo se dissolveu quando foi escancarada a farsa por trás da poliglossia.
Países binacionais (como Bélgica e Canadá) necessitam de alguma força de coesão simbólica que sobrepuje a contingência de haver alófonos dentro de um mesmo território geográfico, desenhado por marcos miliários. Na Bélgica, a Valônia (francófona) e Flandres (flamenga) só não se separaram ainda porque Bruxelas, francófona, está encravada em Flandres, flamenga. Em muitos desses países binacionais, curiosamente, o apelo (desesperado?) à instituição monárquica parece um anódino à questão: o Canadá quis a adesão ao reino Windsor de Elizabeth II; a Bélgica venera a casa de Saxe-Coburgo-Gota; a Espanha teve de ressuscitar, das cinzas, os Bourbon.
Línguas profetizaram nações: o fiorentino de Dante, Petrarca e Bocaccio unificou o que muitos séculos depois deixaria de constituir “estados papais” para formar a Itália; Lutero entronizou o alemão (de sua tradução do grego e do latim) como a língua que poria em união os condados, ducados e principados esparsos da Prússia no futuro Império Alemão; Camões assinou o contrato final da união portuguesa, que talvez não tivesse ocorrido, a despeito de uma língua medianamente unificada já em 1296; Shakespeare, como nos ensina Edward Burns, fez mais pelo Reino Unido do que Henrique VII, Henrique VIII, Elizabeth I e outros membros da dinastia Tudor.
Daí o “minha pátria é a língua portuguesa”, de Fernando Pessoa, e o “eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero frátria”, de Caetano Veloso, que, sem remeter diretamente à língua, USA-A para mostrar do que se apossou para agregar-se ao sentido de nação: a língua e seus meios de produção expressivos.
Todo bom observador do jogo engendrado no sistema internacional deve, cautelosamente, envidar especial atenção aos idiomas, que generais e diplomatas jamais desconsideraram em suas negociações.
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