Émile Gallé, mestre vidreiro francês e um dos grandes expoentes da história do estilo art nouveau, sempre retratou em sua obra paisagens, a natureza e visões genéricas, saídos de sua cabeça de artista. Contudo, em seu trabalho há uma exceção: o Rio de Janeiro, única cidade do mundo cujo relevo e paisagens reproduziu e identificou em suas obras, ao lado de sua assinatura em alto relevo.
Gallé se celebrizou pela sua arte de trabalhar o vidro quimicamente, utilizando-se de ácidos e produtos químicos invasivos, e cujo manuseio, segundo a história, acabou causando a sua morte. Ele trabalhava com diversas camadas de vidros, em cores diferentes, que se revelavam pela aplicação de ácido. Esta técnica gerou vidros com uma paleta de cores incrível, e com um relevo e sensação ao toque inacreditáveis. Estes vasos são alvo da paixão de colecionadores de arte do mundo todo; e os do Rio de Janeiro, na maior parte das vezes trazem até o nome da cidade, são o sonho dos colecionadores de arte do mundo todo, e, principalmente, dos brasileiros.
Gallé produziu, no fim do século XIX e início do Século XX, uma série composta especificamente de paisagens tropicais inspiradas na Cidade Maravilhosa. A série de vidros “Gallé Rio” explorou na sua técnica de cameo glass todos os efeitos de transparência e opacidade do vidro para dar vida à fauna, à flora e à paisagem carioca que encantou o artista francês.
Os vasos fazem parte das principais coleções de arte particulares da cidade, como a dos Monteiro de Carvalho. Apesar de já terem sido expostos no MAR – Museu de Arte do Rio, não há, infelizmente, vasos “Gallé Rio” em coleções públicas. Na ocasião, foram emprestados por particulares. O falecido colecionador Joaquim Monteiro de Carvalho, o Baby, sempre contava que ao comparecer, ainda jovem, com os pais numa das exposições internacionais que o Rio sediou, se apaixonou por um vaso Gallé Rio que estava exposto no então Pavilhão da França, prédio que acabou por se tornar a sede da Academia Brasileira de Letras.
“Para o europeu, o Rio de Janeiro de 1900 era puro exotismo. Paradisíaca, a cidade-selva oferecia sensualidade à civilização que surgia. A topografia única, exuberante, em todas as tintas, mergulhava na folia libertina do carnaval carioca. Um sonho”, esclareceu Cynthia Garcia para a revista Casa Vogue.
A série retrata desenhos em vasos que variavam de 6 a 60 centímetros, com camadas de duas a seis cores, fornecendo detalhes minuciosos do casario e vistas do Pão de Açucar, da Baía de Guanabara, do Corcovado e da Pedra da Gávea, esses panoramas eram ainda decorados com gaivotas e espécies vegetais típicas da região, como palmeiras, fícus e agaves.
“Mistério e beleza são fatores indispensáveis para atiçar a paixão de colecionadores e estudiosos. Não é diferente com essa magnifica série do mestre vidreiro, Émile Gallé, sobre nossa Cidade Maravilhosa”, disse Marcio Roiter, fundador e presidente do Instituto Art Déco Brasil, um dos maiores especialistas do mundo nestas preciosidades.
Émile Gallé nasceu no dia 4 de Maio de 1846 e morreu em 23 de Setembro de 1904. Tanto nascimento quanto morte foram em Nancy, na França. Ele também fez móveis no mesmo estilo, com incrustações de madeira, numa técnica chamada de marchetaria. Seus móveis também estão nas principais coleções de arte do mundo.
“Algumas dessas preciosidades, tão requintadas, eram vendidas como joias, em caixas forradas de seda, nas melhores joalherias da Europa. Os estabelecimentos Gallé fecharam em 1931. Mas a lenda de sua paixão pelo Rio permanece viva nessa obra máxima da arte em vidro que são, como dizem os franceses, os raríssimos Gallé Riô”, disse Cynthia Garcia.
Os vasos são disputadíssimos nos leilões. Não é incomum que as cifras se aproximem dos 200 mil reais, em leilões como Dagmar Saboya e Roberto Haddad; mas é bastante raro que os vasos apareçam, sendo normalmente vendidos diretamente entre colecionadores ou através de marchands e antiquários. No exterior, também são vendidos por cifras excepcionais nas principais casas de leilões.
O empresário do ramo imobiliário Claudio Castro tem meia dúzia de vasos Gallé Rio em sua coleção. “São meu xodó. Vou visitá-los na vitrine de casa várias vezes por semana, sento, e fico olhando os detalhes da nossa cidade maravilhosa no vidro acidado. Quando as pessoas vêm à minha casa, sempre pedem pra vê-los. 2 deles estiveram expostos na primeira exposição do MAR. São o que há de mais precioso para quem ama a arte do século XX inspirada nas paisagens do Rio“, diz.
Para o antiquário Pedro Tinoco, especializado em arte do século XX, é muito fácil entender o porquê dos valores astronômicos atribuídos aos vasos pelos leiloeiros e colecionadores: “além da maestria de Gallé, que criou uma técnica nova, temos que lembrar que foram feitos apenas cerca de 200 vasos “Rio de Janeiro” e que o vidro é um material efêmero e frágil. Quebra facilmente, e também por isso, esta série de vasos atiça os colecionadores que apreciam o raro, o especial e o extraordinário“.