Construído em 1817, o Chafariz do Riachuelo já foi um símbolo de urbanização e comodidade para moradores e animais que seguiam pelo antigo Caminho de Mata-Cavalo, atual Rua do Riachuelo, no coração do Centro do Rio. O chafariz é de propriedade do Governo Federal.
Com a modernização da cidade, o monumento foi ultrapassado em sua função, mas mantido para lembrar às gerações posteriores que o acesso à água nem sempre foi fácil no Rio de Janeiro. Não é de hoje, no entanto, que o Chafariz do Riachuelo é maltratado pelo abandono, pelas pichações e pela depredação.
Apesar de tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob responsabilidade da União, o monumento federal está entregue à própria sorte em meio a pessoas hostis à preservação do patrimônio histórico da cidade.
Ao jornal O DIA, o professor de História, Luciano Tardock, contou que, quando foi inaugurado, chafariz serviu a um Rio de Janeiro cheio de carências, que só foram atenuadas com a chegada da Família Real portuguesa em 1808.
“A ideia desse chafariz era a questão do abastecimento das águas, tanto para a população que mora no entorno, como também dos animais que passavam pela região. Era uma forma de atender a população, como está até mesmo marcada na placa que tem instalada nele”, disse Tardock, que leciona em unidades estaduais e municipais.
O professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Paulo Knauss, disse ao veículo que o abandono do Chafariz do Riachuelo é quase completo, diante dos congêneres da Glória, do Lagarto e o Paulo Fernandes Viana.
“Só se vê hoje a parede do tanque, mas não o sistema de captação de água, que pode ser bem reconhecido no chafariz da Glória e do Lagarto e o Paulo Fernandes Viana, ambos no Catumbi. Sua relação com o morro, de onde descia a água, se perdeu completamente. A situação atual coloca um impasse para a convivência do bem do monumento antigo da cidade com a vida atual da cidade. Esse contexto termina ameaçando sua preservação e impede sua admiração como monumento”, afirmou o professor universitário.
Luciano Tardock frisou que o abandono dos monumentos da cidade é uma forma de apagamento da história e da memória de um povo. O professor reforçou que tendemos a esquecer aquilo que não valorizamos, por isso, a falta de conservação representa uma negligência quanto à memória e à identidade da cidade.
“Não valorizar o patrimônio é uma maneira de apagar a sua história de maneira gradual, porque esses patrimônios, essas construções, esses espaços de memória vão sendo perdidos com o passar do tempo. A memória é seletiva e, se algo não é valorizado, não é lembrado. Então, quando a gente negligencia, quando a gente não cuida, a gente vai perdendo aquele lugar de memória, aquele lugar de história”, pontuou o estudioso.
Também ouvida pelo jornal, a vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos da Rua do Riachuelo Centro (AMA- Riachuelo), Isis Viana, ressaltou que a grande concentração de moradores representam uma grande ameaça a todo o patrimônio histórico do bairro, não apenas para o chafariz.
“Há tempos vemos a depredação do chafariz que já foi até feito de depósito de resíduos! Aqui há uma concentração muito grande de pessoas em situação de rua que barbarizam não só esse como outros patrimônios do bairro. Os trabalhadores da academia e do estacionamento que ficam atrás que muitas vezes fazem o trabalho da Comlurb e lavam o local para amenizar o mau cheiro”, relatou Isis Viana, complementando que, a comunidade é atuante na defesa do patrimônio histórica e cultural do Rio nas redes sociais, mesmo que as ações não chamem a devida atenção das autoridades.
“Esse descaso com o patrimônio é muito denunciado pela população, principalmente nas mídias sociais. A associação sempre está solicitando à subprefeitura mais serviços e investimentos de valorização da região. O chafariz é só uma pequena amostra do abandono que a região está passando. Desperta na população uma sensação de desmerecimento, desrespeito ao seu território de pertencimento”, lamentou a vice-presidente da AMA-Riachuelo.
Os especialistas destacam que, apesar insucessos como os da AMA-Riachuelo, ainda assim é importante seguir com as cobranças junto às autoridades, que têm o poder de reverter o quadro de desrespeito e degradação da arte monumental carioca e fluminense.
“Cobrando das autoridades, cobrando dos vereadores, que foram eleitos pelo nosso voto. Qual é o cuidado que o Poder Legislativo dispõe ao patrimônio histórico da cidade? Cobrar do prefeito e dos subprefeitos, que eles também precisam não apenas ir uma única vez pontual fazer a limpeza, porque aquilo vai sujar de novo se não tiver uma política permanente de preservação e de incorporação no debate da educação patrimonial. Dessa maneira, fazendo com que o espaço possa ter significado para quem transita, para quem passa, para quem vive”, esclareceu Marcus Dezemone, professor de História do Brasil da Universidade do Estado do Rio (Uerj).
O professor da UFF, Paulo Knauss observou que saída para o Chafariz do Riachuelo passa pela requalificação da própria Rua do Riachuelo, que é o seu ambiente urbano, pois “pensar a preservação do monumento exige pensar a cidade”. Segundo professor, o foco do problema precisa ser deslocado da defesa do patrimônio para a defesa da cidade; o que representa um desafio urbanístico ainda maior.
Posicionamento dos órgãos públicos
De acordo com O Dia, ao ser contatada para comentar a matéria, a Secretaria Municipal de Conservação (Seconserva) afirmou que o patrimônio é um bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, portanto, de responsabilidade da União.
A Iphan, por sua vez, afirmou que mobiliários urbanos, como os chafarizes, são de responsabilidade da Prefeitura do Rio. Porém, o DIÁRIO teve acesso a um parecer do próprio Iphan, assinado por Ana Luiza Bretãs da Fonseca, em que o órgão diz que o monumento é propriedade do Governo Federal.
“O Iphan salienta que cabe ao proprietário do bem cultural apresentar propostas de restauração, que precisam ser analisadas e aprovadas pela equipe técnica do Instituto, dentro de suas competências legais. Além disso, é responsabilidade do detentor adotar medidas para coibir atos de vandalismo”, disse o instituto ao veículo.
A Prefeitura, por seu turno, rebateu o Iphan e alegou que, “de acordo com a Gerência de Monumentos, ele [o chafariz] não é de responsabilidade da Prefeitura do Rio”. O documento interno do Iphan que demonstraria a responsabilidade do Governo Federal segue abaixo, datado de 2001.
