Alberto Gallo – Soluções baseadas na natureza: como esse conceito pode defender o Rio de enchentes como a do RS

Também conhecido como SbN, estas soluções foram consideradas no projeto da concessão de saneamento para Região Metropolitana. Vamos entender como é importante sua implantação e os desdobramentos para reduzir os riscos e impactos de chuvas extremas em nossa região

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No Brasil estamos todos sofrendo com o drama de nossos irmãos gaúchos diante das enchentes e seus impactos destrutivos nas cidades e na vida de toda população. Cada brasileiro se solidariza de alguma forma, seja com doações de mantimentos ou recursos via PIX para as diversas instituições que tem atuado, seja por orações e preces. Também pela campanha para aquisição de produtos do Rio Grande do Sul, como forma de apoiar a reconstrução da economia da região.

Nas últimas duas semanas, propomos ao leitor do Diário do Rio uma reflexão sobre os as iniciativas de Cidades (Rede C40) em todo mundo para redução de impactos de eventos climáticos, e mais recente uma discussão sobre os Eventos Climáticos Extremos, e como podemos nos organizar no país com a estruturação e financiamento de projetos de prevenção nas cidades, especialmente no Rio de Janeiro. Vale destacar também outras contribuições publicadas por Felipe Lucena e Victor Serra, que discutem o risco de enchentes semelhantes, se podem ocorrer no Rio e do impacto destes desastres na saúde mental das pessoas.

Temos, portanto, um ponto atenção bem definido, e um bom debate pela frente. E que deve acontecer com a população em geral, mas prioritariamente com especialistas, tomadores de decisão e com autoridades. Ou nos organizamos nas cidades e no território em tempo, ou os novos desastres naturais que estão por vir, vão provocar ainda mais destruição e vítimas. E como temos visto, infelizmente as proporções são semelhantes ao impacto de uma guerra, em todos seus aspectos: perda de vidas, construções, destruição das redes urbanas, fome, desabastecimento, ciclos de doenças infeciosas e baixa capacidade de resposta médica imediata. E o trauma de toda uma geração. Mas há um lado bom que vamos desenvolver oportunamente, e que vimos também em outros povos quando da reconstrução, que é a solidariedade dos civis, as redes não governamentais voltadas para a solução de problemas coletivos e a auto-organização dos cidadãos.

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Centrando no tema das Soluções baseadas na Natureza, primeiro vale dizer que ciclos naturais existem independente da ação antropomórfica. Portanto é um erro afirmar que estes eventos do Rio Grande do Sul são unicamente causados pela ação humana e da desordem da ocupação do território. E mesmo que o aquecimento global possa ser o motivo de todos estes desastres.   Em 1941 houve uma grande enchente em Porto Alegre, portanto numa época que não se discutia camada de ozônio, impacto de motores a base de queima de carbono, desmatamentos e ocupação desordenada das cidades. Os ciclos hídricos e atmosféricos, são originários de diversos fatores que vão muito além da influência humana no território. Colocar a culpa de eventos de enchentes ou secas prolongadas apenas na ação humana é algo que devemos fazer com cautela. Há fatores como magnetismo da terra, ventos solares e radiação, pequenas alterações de obliquidade que acontecem no eixo da terra, vulcanismos, etc.

O que sabemos é que ciclos climáticos se repetem desde sempre sobre a face da terra. E que as civilizações aprendem com a própria natureza a organizar sua ocupação e exploração do território. Conhecidas como SbN, as soluções baseadas na natureza são intervenções nos espaços de cidades, que utilizam processos naturais e ecossistemas para enfrentar os desafios socioambientais, segurança hídrica, poluição, produção alimentar, controle da bio diversidade e garantir a saúde humana. O termo “Soluções Baseadas na Natureza” (SbN) foi originalmente cunhado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em 2009, durante um artigo elaborado para negociações globais sobre o clima.

Mas estes conceitos não são novidades. Na verdade, são parte de nossa cultura desde antiguidade, quando povos do Egito e Roma respeitavam os rios e suas cheias e construíam suas cidades de acordo com as bacias hidrográficas. Também os portugueses nos trazem essa herança e basta ver o bairro de Santa Tereza ou a cidade de Ouro Preto, de como o arruamento acompanha o relevo e os terrenos são grandes para manter a cobertura vegetal e o escape para águas pluviais, acompanhando os cursos naturais.  Em algum momento a modernidade republicana abandou esses conceitos criando as selvas de pedra, os super adensamento de prédios que ocupam todas as quadras e com asfaltamento intensivo, canalização de córregos e destruição vegetal. As cidades modernas com tantas tecnologias são como muitas novidades, em alguns aspectos, um atraso no desenvolvimento humano.

Vamos explorar como esses conceitos podem ser aplicados especificamente à cidade do Rio de Janeiro a partir da segurança dos corpos hídricos.

Gestão Sustentável de Recursos Naturais – um dos pilares das SbN, focando na utilização eficiente e conservação dos recursos naturais para garantir sua disponibilidade a longo prazo. No contexto do Rio de Janeiro, isso pode incluir a gestão de recursos hídricos através de práticas como a captação de água da chuva, reuso de água e a conservação de mananciais. Projetos como o tratamento sustentável de esgoto, a devida atenção nos custos d´água, a utilização de  biodigestores para processar resíduos e produzir biogás, são exemplos de como a gestão de recursos naturais pode ser implementada de forma sustentável na cidade. Aqui cabe um destaque, que no recente projeto da concessão do saneamento dos municípios então atendidos pela CEDAE, foram alocadas duas reservas de recursos, especificamente para levar o saneamento às áreas de comunidades e sub urbanização como também para projetos de proteção das bacias, com captação de tempo seco, proteção do sistema lacunar e da baia da Guanabara. São recursos destinados prioritariamente para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, da ordem de R$ 2 bi. Portanto há recursos e o que precisamos é que as autoridades do governo ofereçam bons projetos e exequíveis.

Resiliência Urbana – A resiliência urbana refere-se à capacidade de uma cidade absorver, recuperar e preparar-se para futuros choques e estresses, garantindo a sustentabilidade a longo prazo. No Rio de Janeiro, já há uma equipe responsável e debatendo o tema. E a implementação de SbN deve fortalecer a resiliência urbana através da criação de infraestrutura verde, como parques e corredores verdes, que não só ajudam a controlar enchentes e melhorar a qualidade do ar, mas também proporcionam espaços de lazer para a população. A integração de telhados verdes e jardins de chuva pode ajudar a reduzir o escoamento superficial e aumentar a absorção de água, mitigando os riscos de inundações. E aqui destacamos a possibilidade de um grande estudo das bacias dentro da região metropolitana com a criação de parques lineares de modo a evitar a configuração de moradias irregulares, proliferação de favelas e da poluição e degradação destes cursos d´água.

Restauração de Ecossistemas – A restauração de ecossistemas é essencial para recuperar áreas degradadas e manter a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. No Rio de Janeiro, a restauração de manguezais e áreas de mata atlântica pode ajudar a preservar a biodiversidade local e proteger contra erosão e deslizamentos de terra, e principalmente fortalecer o turismo. É uma medida que precisa ser fortalecida, pois é justamente nestas áreas vulneráveis que as milicias de loteamento promovem a expansão urbana e irregular. Projetos como a recuperação de áreas verdes urbanas e a reintrodução de vegetação nativa em áreas urbanas podem contribuir para a restauração de ecossistemas dentro da cidade.

Os três aspectos acima destacados, merecem um olhar atento das autoridades, especialmente voltada para dar segurança em caso de enchentes é o tratamento das bacias hidrográficos com parques lineares. Cidades como Londres, Paris, Seul foram historicamente assoladas por enchentes, já que são cortadas por rios e ainda que com características climáticas diferenciadas, todo curso d´água tem seus períodos de cheia, quando seu leito se expande muitas vezes.

Cabe aos planejadores, dar forma e vazão a essa água, considerando espaços públicos como uma zona de amortização de enchentes, lagoas de contenção, diques q e todo o controle de vegetação das cabeceiras.  E o que se percebe no Rio, é que apesar da competência de agências como Rio Águas, Inea e Ministério Público, muitas vezes a informalidade e a caos urbano se expandem em uma velocidade maior do que o planejamento desejado. Sim, é possível despoluir rios urbanos e transformá-los em parques. E para o Rio, a hora é agora, há recursos disponíveis, capacitação técnica de excelentes empresas de saneamento, qualidade pública. Esse debate precisa avançar e não ser sequestrado por interesses menores da política carioca.

A geografia de nossa cidade do Rio é bem diferente de Porto Alegre, cada qual tem seu contexto. Nosso tipo de enchente pode ocorrer, pois grande parte da área litorânea é baixa e há toda uma barreira de montanhas e serras que proporciona uma acumulação de águas pluviais. A cidade é cortada por rios que em outros momentos foram transformados em canais de “esgoto” ou tubulados em um sistema de drenagem complexo e que não dá vazão em casos extremos. Há soluções baseadas na natureza. Há caminhos. Só nos resta ter coragem para avançar.

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