Alessandro Valentim: Carnaval é potência cultural contra intolerância religiosa

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Do axé ou não, o sambista saudou as Yabás (Orixás mulheres) com o Acadêmicos do Salgueiro no ano de 2007. Foliões cariocas e turistas vibraram na Sapucaí com um dos sambas mais lembrados do Carnaval do Rio de Janeiro. O enredo, Candaces, homenageou a dinastia de rainhas da África Oriental que, antes da era cristã, comandaram um dos impérios mais prósperos do continente. Do setor um à dispersão, todos louvaram cantando, a maioria só entendeu, se entendeu, na avenida, o refrão:

Odoyá, Iemanjá
Saluba, Nanã
Eparrei, Oyá
Orayê-yê-o, Oxum
Oba xi, Obá

O Carnaval é a prova de que a cultura é o maior temor do preconceito. Com ela, esclarecemos as inverdades, cessamos a ignorância e damos um grito, por exemplo, contra a intolerância religiosa, como fez a Acadêmicos do Grande Rio ao levar Exu como enredo para a Marquês de Sapucaí e vencer a festividade de forma avassaladora. Nos principais veículos de informação, digitais, impressos e até na televisão só dava o Povo de Rua. Um levantamento feito pelo Google Trends revelou que as pesquisas sobre Exu cresceram em 418%. A escola de samba de Duque de Caxias contribuiu para que milhões de brasileiros soubessem que Exu não é demônio, Exu é guardião.

A comissão de frente da Grande Rio deu um show. O ator Demerson D’alvaro encenou Exu e hipnotizou o público. Dançou, gargalhou e ainda comeu padê (oferenda). Demerson, filho de evangélica, com o apoio da família, foi a imagem da fé de umbandistas e candomblecistas de todo o Brasil.

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‘’A Grande Rio contribuiu muito com esse enredo superpotente, e foi um prazer fazer parte desse momento. Exu não é o Diabo. Os Exus vieram da África, foram pessoas escravizadas e as pessoas que os escravizaram são os verdadeiros demônios’’, afirmou Demerson D’álvaro.

O ator é a prova viva da riqueza cultural da diversidade religiosa. Demerson não é praticante da fé afro-brasileira e defendeu com louvor os guardiões dos terreiros. ‘’Sou daquele, se disser que acender uma vela faz bem, que mal tem? Na minha família tem evangélico, umbandista e até budista. Temos que falar sobre o tema, que é vasto, e combater a intolerância religiosa’’, concluiu o ator.

A Estação Primeira de Mangueira quebrou o jejum de quase 15 anos sem vencer o Carnaval em 2016. A homenagem à Maria Bethânia contou com a forte presença de Iansã, tradicional Orixá dos cultos afro-brasileiros. Quem for atrás da verde e rosa neste ano verá novamente o protagonismo da Yabá no enredo ‘’As Áfricas que a Bahia canta’’.

’O samba é o bastião da representatividade de uma cultura preta, é a voz afro-brasileira, é expressão popular, grito de liberdade e a religiosidade figura como propulsora de todo este movimento. A fé, a crença, e a esperança que emanam destes rituais, que florescem a cada dia mais, propagando todos estes movimentos de resistência, assim como o Carnaval e toda a cultura negra do nosso país, que significam movimentos de expressão consolidadas através de um grito de igualdade por direitos e oportunidades’’, afirmou o mangueirense Caíque Alves.

O samba-enredo é um instrumento de estudo também. Ouça os sambas da Imperatriz Leopoldinense dos anos 1989, 1996, 2000, 2008 entre outros da escola de Ramos e de outras agremiações! A safra é uma aula de história, que já ajudou muitos adolescentes nos trabalhos escolares. Ter este recurso utilizado para ensinar sobre a Umbanda e o Candomblé é unir a cultura e a educação contra o preconceito de crença.

’O Carnaval e as religiões de matriz africana estão estritamente ligados. Desde o seu início, nos quintais das casas com os batuques. Essa presença assídua mostra como a valorização e a importância que a religião tem é vista no mundo do samba. Cada vez que um samba de um Orixá toca numa rádio/tv ou passa na avenida é uma vitória contra o preconceito’’, disse o jornalista, historiador e integrante do Observatório de Carnaval da UFRJ, Lourenço Marques.

Quem enxerga com bons olhos para a religião a promoção das crenças afro-brasileiras no Carnaval é a Mãe Manu da Oxum, da Zona Oeste do Rio.

‘’O Carnaval é a verdadeira representação da cultura afro-brasileira, é a celebração festiva e cultural que resistiu e ganhou a todos. Um movimento de música, dança, luta, que perpetuou e ocupou os lugares no Brasil e no mundo, que na verdade tem como berço os nossos ancestrais’’, explicou a sacerdotisa.

Com certeza não faltará representatividade nos desfiles de 2023. Por aqui, fica a ansiedade para o próximo texto, quando saberemos como o povo de axé brilhou desta vez.

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