Apesar da queda na taxa de desemprego, a renda média do trabalhador com carteira assinada tem diminuído nos últimos anos, a informalidade aumentou e o preço da cesta básica subiu muito acima da inflação e correção dos salários. Na cidade do Rio de Janeiro, segundo dados do Dieese, no período de 2018 e 2022, o crescimento dos valores dos itens básicos para uma família se alimentar sofreu um crescimento de 66%, menos ruim do que na capital paulista que tem 73%, mesmo assim, os percentuais são assustadores. Com esse difícil cenário de aumento da pobreza, o poder público se vê pressionado a ampliar programas de transferência de renda. A tendência nos próximos anos, se nada for feito, é essa situação se agravar porque o número de pessoas em idade ativa a mais que a soma de crianças e idosos, chamado bônus demográfico, que já foi de 63 milhões em 2017, será de apenas 14 milhões em 2060, de acordo com estimativas do economista Paulo Tafner.
Há dois agravantes. Hoje, 31% dos jovens, entre 18 e 24 anos, não estudam e nem trabalham, conforme o estudo Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, e o governo federal é o responsável por garantir 16% de toda a renda dos brasileiros, segundo estudo da Tendência Consultoria. Para que o envelhecimento do país não se transforme em empobrecimento, será fundamental que tenhamos mais pessoas trabalhando e com maior produtividade. É, portanto, inadiável que parte dos recursos ainda disponíveis para programas de transferência de renda e outros sejam gradativamente investidos em programas de geração de renda, ou seja, políticas públicas de Inclusão Produtiva.
Existe um benefício chamado Auxílio de Inclusão Produtiva Urbana destinado a pessoas que conseguem emprego formal. Estender esse benefício aos brasileiros vulneráveis que se formalizarem e que, amparados por políticas públicas de Inclusão Produtiva, comecem seu próprio negócio, exatamente nos moldes do que é feito para empreendedores rurais, através do auxílio equivalente chamado de Auxílio para Inclusão Produtiva Rural, pode ser uma forma de começar a fazer a transição e abrir a porta de saída da dependência.
Inclusão Produtiva é o conjunto de ações coordenadas, multidisciplinares e intersetoriais com o objetivo de criar as condições necessárias para que pessoas em idade economicamente ativa possam passar a gerar renda de forma digna e estável, seja através de sua inclusão no mundo formal do trabalho ou de uma iniciativa empreendedora. Políticas públicas de Inclusão Produtiva, além do poder de rápida transformação local, têm capacidade de gerar impacto macro de até R$ 700 bilhões em cinco anos no PIB nacional e R$ 35 bilhões no PIB municipal do Rio, segundo projeções do economista Daniel Duque do IBRE-FGV.
Há muitas iniciativas isoladas acontecendo ao mesmo tempo. O poder público, por exemplo, tem ações socioassistenciais do Ministério de Desenvolvimento Social e através de bancos públicos como o BNDES. Também tem diversas iniciativas do terceiro setor, da área de responsabilidade social de empresas e do Sistema S. Todos são projetos e ações importantes, mas que perdem força por não estarem coordenadas sob o guarda-chuva de uma política pública de Inclusão Produtiva. Uma vez organizadas em rede certamente terão resultado muito superior. “O poder não reside nas instituições, nem no Estado, nem nas grandes corporações. Está localizado nas redes que constituem a sociedade”, ensina Manuel Castells em seu livro “A sociedade em rede”.
Dentro do ecossistema da Inclusão Produtiva devem estar todos os serviços necessários para levar uma pessoa que se encontre no desalento a ter condições de passar a gerar renda, seja com a conquista do emprego ou com o início de seu próprio negócio. Isso vai desde a obtenção de documentos, segurança alimentar, aumento da escolaridade, capacitação para empregabilidade e para o empreendedorismo, formalização e concessão do microcrédito produtivo orientado.
No novo mundo do trabalho com constantes transformações e exigências, cada vez há mais interessados em empreender e menos pessoas buscam a carteira assinada. Segundo Jeremy Rifkin, em seu livro “End of work”, “os empregos irão desaparecer de forma irreversível, até que quase mais ninguém terá emprego”. Tratar a microempresa individual com os mesmos princípios de gestão que se trata uma grande empresa, com capacitação, crédito, plano de negócios, incubação e mentoria é prática necessária para aumentar as chances de sucesso e estabilidade dos nano e micro negócios. A Educação Profissional com base Tecnológica (EPT), os programas de qualificação continuada e requalificação de profissionais reduzem o desemprego estrutural e complementarão o Programa de Inclusão Produtiva.
No município do Rio há um cenário interessante para que tenhamos ótimos resultados com esforços e iniciativas de Inclusão Produtiva. Todo o cenário descrito acima ocorre aqui, mas com uma diferença. No Rio há um programa da Prefeitura, um convênio com a ONU Habitat, muito bem avaliado, inclusive internacionalmente premiado, chamado Territórios Sociais, que mapeou 12 complexos de favelas da cidade e já leva ações socioassistenciais básicas para as famílias em maior vulnerabilidade. Entretanto, o programa ainda não avança em direção à geração de renda. Um programa do Governo Federal, mais especificamente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que firme convênios com prefeituras para sua execução, disponibilize recursos do Fundo Socioambiental do BNDES para os municípios, inclusive para fundos municipais de microcrédito, poderia, no município do Rio, ser perfeitamente complementar ao programa Territórios Sociais e ter rápidos resultados na geração de renda. Nas outras prefeituras, com certeza, estimularia o desenvolvimento de políticas públicas de Inclusão Produtiva.
Não há alternativas para avançar na busca de desenvolvimento social sustentável a não ser adotar a tríade composta por Programa de Inclusão Produtiva, Educação Profissional com base Tecnológica e iniciativas de qualificação continuada. Trata-se do único caminho possível para o país e é inadiável.
Alexandre Arraes é gestor público, Assessor do Gabinete do Prefeito para Inclusão Produtiva, ex-secretário municipal de trabalho e renda do Rio de Janeiro e ex-vereador.
Eu não acredito mais nessas iniciativas, porque elas não conseguem atingir sequer metade das pessoas que precisam. Na própria secretaria de trabalho e renda, conseguir um curso de qualificação não é fácil. São pouquíssimas vagas que a pessoa tem de estar sempre atenta para não perder os prazos de inscrição que são feitas por ordem. Fora que os últimos cursos que vi parecem estarem mais direcionados a quem já está no mercado de alguma forma ou possui uma formação básica ou complementar. Pois são cursos rápidos. Parece não existir qualquer tipo de mapeamento dos desalentados, ou eu não sei o que é um. Porque imagino que bastesse ser qualquer pessoa que não consiga gerar renda própria, independentemente da renda familiar, lugar que more ou da posição que ocupa no grau de insegurança alimentar.