No dia 6 de julho, nos despedimos de João Gilberto. Diante de seus feitos, se torna impossível não criticar o equívoco do nosso Presidente em não declarar luto nacional pela morte deste notável brasileiro. O músico genial que, através da sua obsessão pela busca do som perfeito, desenvolveu um quase novo estilo musical. Explico o “quase” parafraseando Helio Beltrão na sua homenagem ao gênio: “a Bossa Nova sempre foi e sempre será samba. É que a invenção de João é tão descomunal que precisou de um novo nome.”
João Gilberto influenciou gerações de músicos e fez com que a música brasileira fosse admirada no exterior. A sua voz anasalada e quase sussurrada, em harmonia com os acordes de violão em uma síntese de samba, batizado de Bossa Nova, encantou o jazz estadunidense e deu a João o papel de cartão-postal do Brasil.
Dono de quatro prêmios Grammy nos anos 60, a morte de João ecoou em todo o mundo. O jornal The Washington Post disse que ele foi um dos pais da Bossa Nova e se tornou o som icônico do Brasil; o francês Le Monde chamou o músico de gênio de todos os gênios; o espanhol El País disse que ele era uma marca nacional e o argentino Clarín de criador de uma revolução à forma de cantar.
Enquanto pai de primeira viagem, não descobri em João Gilberto apenas a sua genialidade na música, mas também o poder que a Bossa Nova tem de acalmar e embalar a minha Julia, uma recém nascida que, durante as várias madrugadas que impede os pais de dormirem, é devolvida ao sono sob os acordes do pai da Bossa Nova.
O samba, base da invenção de João, era incentivado pelo governo varguista através de uma iniciativa chamada brasilidade, iniciado em 1930 onde se tentou impulsionar o processo de constituição da identidade nacional. É evidente que a identidade de um país formado por uma mistura, majoritariamente, de imigrantes europeus, negros e índios seria difusa.
Duas décadas depois, João Gilberto nos mostra que nenhum programa de incentivo governamental é páreo para a capacidade de inovação de um indivíduo. A desburocratização do samba, influenciada pelo Jazz, desenhou para sempre as linhas da nossa impressão digital.
Apesar de ter acontecido há décadas, alguns têm a impressão de que a cultura, que é o conjunto de características de um grupo de indivíduos, é definida pelo Estado, o que não é verdade. João Gilberto é o maior exemplo da força do indivíduo como motor de transformação no Brasil. Sua criatividade não só inovou a música, como deu identidade ao Brasil e nos tornou conhecidos no exterior.
O coração do brasileiro bate no ritmo da Bossa Nova, e o sangue que corre por suas veias é o da boêmia, identidade criada não pelo Estado tupiniquim, mas por um indivíduo: João Gilberto.
Obrigado, gênio dos gênios. Descanse em paz.