Desde 1932, temos eleições com voto secreto no Brasil. De lá para cá, o sistema eleitoral avançou, assim como seus mecanismos de controle, e o coronelismo perdeu sua força. No entanto, o clientelismo sobreviveu — principalmente em algumas regiões do Brasil, notadamente aquelas rurais. E engana-se quem pensa que o Sudeste maravilha, incluindo o nosso estado, esteja livre da cultura do compadrio na hora de escolher representantes nas Câmaras ou Assembleias.
Não podemos classificar de coincidência o fato de que os municípios brasileiros com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) registrem práticas antigas de clientelismo, cujas origens encontramos no chamado voto de cabresto. O mesmo vale para as cidades fluminenses onde são registradas as piores taxas de longevidade, hábitos saudáveis e acesso à educação.
Podemos dizer que a relação clientelista entre político e eleitor — embora possa, em alguns momentos, suprir as necessidades mais imediatas de quem luta pela sobrevivência — equivale ao cachorro correndo atrás do próprio rabo. O círculo vicioso de se vender um precioso direito que pode mudar os rumos da sua cidade, seu estado e seu país, em troca de um bico, uma vaga em escola ou hospital (que deve ser garantida pelo Estado para todos) ou até uma cesta básica acaba contribuindo para impedir o desenvolvimento das economias.
Embora o clientelismo não cause a pobreza, é inegável que contribui para atrasar o exercício da cidadania. O acesso diferenciado aos serviços públicos constitui por si só um ataque à democracia e à autonomia do eleitor.
Com o objetivo de manter sua “clientela”, o vereador ou deputado eleito com esse tipo de voto não fará questão de facilitar o acesso igualitário aos serviços que “vendeu” durante sua campanha. Acaso o vereador que comprou votos do morador rural disponibilizando transporte em zona de difícil acesso terá interesse em providenciar uma política de mobilidade equitativa e de qualidade?
Sabemos que, para aqueles em cuja mesa falta o alimento, a tentação é muito mais forte. Nos rincões do Norte brasileiro ou nos becos das comunidades fluminenses mais abandonadas e dominadas pelo crime, o eleitor, ao receber uma proposta indecorosa, pode se ver diante de uma dramática escolha. Vale a pena trocar uma oferta imediata por uma promessa mais ampla, embora menos concreta? Talvez, no caso do voto, o eleitor deva concluir que, em termos de democracia, valem mais dois pássaros voando do que um na mão.
Não esqueçamos que o clientelismo constitui, de fato, um crime de corrupção, com punições previstas tanto para o candidato quanto para o eleitor. Ou seja, o ato de comprar ou de vender um único voto configura um delito que prejudica toda a sociedade, sob pena de multa ou prisão— e é justo que seja assim. Afinal, o exercício da cidadania, que envolve direitos e deveres, está na mão de todos, políticos e eleitores. E a corrupção, para ser consumada, precisa tanto do corruptor quanto do corrupto.