Álvaro Rossi: A economia do Rio precisa da saúde para sobreviver

O Brasil está há quase 40 anos assistindo ao seu estado mais famoso agonizar, sofrendo de uma crise de identidade econômica desde que a capital federal foi transferida para Brasília

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Vista aérea do Porto Maravilha - Foto: Rafa Pereira/Diário do Rio

O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que menos cresceu economicamente desde 1985[i]. Se essa informação for nova pra você, talvez você precise de alguns instantes para assimilá-la, pois, de fato, ela é impactante. O Brasil está há quase 40 anos assistindo ao seu estado mais famoso agonizar, sofrendo de uma crise de identidade econômica desde que a capital federal foi transferida para Brasília.

Não é exagero dizer que a economia do Rio está na UTI. São praticamente quatro décadas respirando com a ajuda de aparelhos. Continuando nessa trajetória, as consequências são claras: as oportunidades se tornarão cada vez mais escassas, a renda diminuirá e a tendência da violência é aumentar cada vez mais.

A única saída viável é mudar a estratégia, afinal, todos nós sabemos que “errar é humano, mas insistir no erro é ignorância”. Se a nossa estratégia até hoje não funcionou, se faz urgente buscar alternativas que ajudem a impulsionar o potencial econômico do Rio.

Por onde começar, então? O Complexo Econômico da Saúde tem se revelado como um grande potencial para ser uma das chaves para alavancar o desenvolvimento da cidade.

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O setor de saúde é, atualmente, o quarto maior empregador no estado do Rio de Janeiro. Ele engloba medicamentos, imunobiológicos, equipamentos, insumos e a rede assistencial de saúde (tanto pública quanto privada). Todas essas indústrias, consideradas de grande complexidade econômica, geram empregos de alta renda – em média 22% a mais que outros setores – aumentando a produtividade e o poder econômico médio do cidadão fluminense[iii].

A projeção de crescimento para o setor de saúde é cada vez maior. Em 2022, a Saúde correspondeu a aproximadamente 9% do PIB brasileiro[iv], junto com os setores de Administração, Defesa, Educação Públicas e Seguridade Social.

Com o envelhecimento da nossa população, a estimativa de crescimento para os próximos anos é ainda maior. A tendência é essa participação aumentar cada vez mais, sobretudo, considerando que nosso gasto per capita em saúde é um terço da média dos países da OCDE.[v] Em detrimento a esse futuro aumento na demanda – e levando em consideração o sufoco que passamos durante a pandemia, o governo federal já anunciou o desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde como prioridade em sua política industrial.

Agora, vamos aos fatos: o Rio tem mar, tem prancha e tem surfista, ou seja, tem tudo para surfar nessa onda. Nossa capital abriga um dos principais centros farmacêuticos do país. Além de ser o segundo estado com o maior número de empresas farmacêuticas, nós temos uma oferta abundante de instituições de pesquisa em saúde, como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Nacional do Câncer, o Instituto Nacional de Cardiologia, entre muitos outros. Ninguém produz tanto talento em saúde como o Rio.

Para aproveitar essa maré alta, o Estado deve traçar uma estratégia de quatro pontos: 1) definir a nossa vocação na Economia da Saúde, 2) promover competitividade nas nossas indústrias-chave, 3) atrair investimentos públicos e privados, e 4) investir em inovação no setor.

A prioridade aqui é descobrir a vocação do Rio na Economia da Saúde. Existem indústrias que não compensam o investimento porque a alocação de recursos não vale a pena. É o caso da produção farmacêutica de medicamentos à base de proteína, por exemplo. É um mercado saturado e com barreiras de entrada. O mais sensato e inteligente é focar nas indústrias onde já existe uma vantagem competitiva, como, por exemplo, a de imunobiológicos ou aquelas que estão nascendo, como as de saúde digital.

Uma vez definidas, o próximo passo é aumentar a competitividade entre essas “indústrias-chave” (por meio de maior previsibilidade regulatória) e diminuir a carga tributária. Nesse quesito, a Lei Nº 9.244 de 2021, que estabelece margem de preferência para a aquisição de produtos, insumos e fármacos produzidos no Estado do Rio de Janeiro até 2026, é uma boa alternativa e um excelente começo. A ideia é complementá-la com outros estímulos formais e mais direcionados para as indústrias-chave.

Outro ponto importante é atrair investimentos públicos e privados para o setor. A construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) feita pela FioCruz em Santa Cruz promete ser o maior complexo de biotecnologia da América Latina. Esse é o primeiro de diversos investimentos do governo federal para aumentar sua resiliência produtiva na saúde.

Mais do que virar o polo central desses novos investimentos, o Rio tem potencial para virar uma referência.

Parcerias público-privadas (PPP) também são uma boa alternativa para usar o poder de compra do SUS para elevar a competitividade e a inovação do mercado de saúde carioca. Recentemente, a Secretaria Municipal de Saúde realizou a PPP do Hospital Municipal Souza Aguiar, que atraiu um consórcio de empresas de Salvador para gerir o maior centro de emergência da América Latina.

Por fim, não podemos nos esquecer do setor de pesquisa e tecnologia, essencial para reter novos talentos na cidade. Em 2018, eram 248 as healthtechs no Brasil, número que aumentou em 312,5% em 2022, para 1.023. O crescimento dessas startups é extremamente recente: 60% das healthtechs foram fundadas após 2015[vi].

Parece chover no molhado, mas o óbvio precisa ser dito constantemente, e é por isso que eu insisto em bater nessa tecla: a criação de incubadoras e aceleradoras que ajudem a alavancar o potencial das nossas instituições de ensino é essencial para o desenvolvimento pleno da cidade.

Investir na Economia da Saúde é um ganha-ganha para toda a população. Ninguém sai perdendo. Quando a economia melhora, a saúde também melhora, e assim por diante. Funciona como um círculo virtuoso entre o aumento de qualidade de vida e as oportunidades de emprego.

Estamos com a faca e o queijo na mão. Temos o cenário nacional ideal, o histórico industrial, o capital humano necessário, e, finalmente, uma aparente estabilidade institucional. O último ingrediente que falta é a vontade política. O Rio não tem tempo a perder e, enquanto isso, segue na UTI, respirando com a ajuda de aparelhos. Até quando?

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Álvaro Rossi é um gestor público. Formado em Economia pela Columbia University e Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford. Foi consultor de multinacionais e governos pela Boston Consulting Group e atualmente é Assessor Especial ao Secretário na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Não foi por acaso, foi caso pensado. Tiraram a capital daqui, fundiram os dois estados, com nítido prejuízo e confusão para os dois entes, fecharam a Bolsa de Valores, a Lei José Serra do ICMS do petróleo, nitidamente pró SP, a votação da lei de distribuição dos royalties 12.734/2002. Ataques ao Grupo Globo. E essa chamada “nova direita” é contra o Rio, reparem…

  2. É só o Rio se separar do resto do nosso maior atraso: Brasil.
    Vamos investir os lucros bilionários do petróleo e gás no nosso território e na nossa gente, ao invés de vermos esses bilhões sendo mandados para SP, que fica com a maior parte, e Estados Sulistas e Minas Gerais, abocanhando partes bem consideráveis.

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