Alvitos – Parece Piada, mas é quase Lei que proíbe mudanças na Bíblia

Natalia Alvitos fala sobre projeto de Lei que tramita na Alerj e que propõe a vedação de qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada

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Foto de Luis Quintero/Pexels

Está em tramitação na Alerj um Projeto de Lei que de forma inevitável me fez lembrar da Idade Média, época em que apenas os clérigos tinham acesso aos livros e ao resto da população restou a proibição, que, no fim das contas, atingia raros, já que a maioria era analfabeta. Trata-se do PL 6505/2022, que propõe a vedação de qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada.

O autor do Projeto faz uma justificativa em torno da óbvia alta porcentagem de cristãos no Brasil, como se todos concordassem automaticamente com o texto. Eu, por exemplo, crismada que sou, discordo plenamente. Fico me perguntando em como alguém poderia estar tão certo de obter a razão apenas pelo fato de pertencer a um grande grupo. Está na alma da Democracia a diferença, essa percepção é que precisa ser sagrada (no sentido amplo da palavra) para os políticos. 

Vejam bem, não estou aqui propondo que alterem a Bíblia, o primeiro livro impresso por Johannes Gutenberg e Obra Sagrada (no sentido estrito da palavra) que rege milhões. O que estou pleiteando é que continuem a surgir os derivados dela, como, por exemplo, a Bíblia para crianças, que exige diversos ajustes para que os pequenos alcancem o sentido dos textos escritos. O fato de termos ensaios inspirados no Livro Original nada tem a ver com o desmerecimento do Original, pelo contrário, quem gosta do assunto vai ter a possibilidade de entender aos poucos, de forma didática, até chegar ao Grande Livro e todos os mistérios e revelações que ele carrega. 

Sou escritora e jornalista e posso garantir que apenas escreve bem, quem é capaz de se fazer entender por qualquer pessoa, seja ela alguém com pouco ou muito estudo. Tenho pós-graduação e, mesmo com toda a minha capacidade, acho os textos sagrados extremamente complexos. Portanto, se há alguma outra obra que a “traduza”, no sentido de torná-la mais compreensível dadas as mudanças naturais que acontecem em todas as línguas, eu só posso agradecer. Porém, se o PL for aprovado e a futura Lei respeitada (o que já é um capítulo à parte), teremos que voltar a recorrer aos membros de ordem religiosa para entendermos a Bíblia. Desta forma, o conhecimento voltará a ficar restrito e vamos nos tornar uma sociedade dependente das interpretações “dos escolhidos”.

Tenho algo importante a dizer sobre a interpretação: ela é pessoal. Jacques Lacan já avisou faz tempo: “sou responsável pelo o que eu digo, não pelo o que você escuta”. O que este homem que é o segundo nome da psicanálise, dividindo a importância do método apenas com seu criador, Sigmund Freud, quer dizer é que cada um toma para si o significado do discurso (seja o discurso falado ou escrito) a partir da sua própria experiência e referências. Portanto, se eu quiser entender o Velho Testamento original, por exemplo, e recorrer a um clérigo, ficarei vinculada para toda a eternidade a sua forma de compreender o que escreveram há mais de dois mil anos e que pode guardar variados tesouros.

Vou sair um pouco do meu narcisismo e falar da experiência de outra pessoa sobre esse mesmo assunto. Certa vez uma amiga me confidenciou um incômodo imenso com o Salmo 109, cujo conteúdo é de extrema violência. Cito aqui alguns versos: “Vivam os seus filhos vagando como mendigos, e saiam rebuscando o pão longe de suas casas em ruínas. Que um credor se aposse de todos os seus bens, e estranhos saqueiem o fruto do seu trabalho. Que ninguém o trate com bondade nem tenha misericórdia dos seus filhos órfãos.” Como explicar tal conteúdo? Lembro de passarmos horas lendo outros livros em busca da justificativa, e após colhermos algumas impressões, levei a experiência para um professor e ficamos horas conversando sobre o tema. Pessoas interessadas, com sede de conhecimento têm que ser valorizadas, pois os livros só surgiram porque o homem pensa mais do que pode comportar na cabeça. Nós fomos feitos para transbordar, para pesquisar, experimentar, incomodar e elaborar. Não há existência plena sob o cetro perigoso de um único humano. Leis que versam sobre a difamação e o desrespeito já existem e a liberdade do início de um processo também. Essa é a Democracia que eu quero, a que preserva o livre arbítrio. Pense. Enquanto pode

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7 COMENTÁRIOS

  1. Belo artigo. Propostas legislativas como essa provam que realmente a estupidez não tem cura. E pior, no Congresso Nacional há um projeto semelhante. Chega a dar pena.

  2. lEI TOTALMENTE CORRETA, QUE OBVIAMENTE SE REFERE AS MUDANÇAS RELATIVAS AO TRECHO ORIGINAL PARA SER ADAPTADA AS NORMAS SOCIAIS IMPOSTAS E CONTRADIZENTES COM O TEXTO SAGRADO ORIGINAL, QUE A LEI SEJA SIM IMPETRADA, E, ALCANCE A TODOS , SER FORMADO OU NÃO EM ALGUMA COISA NÃO NOS CONFERE O DIREITO DE TRANSGREDIR OS MANDAMENTOS QUE ESTÃO NO TEXTO SAGRADO, SOU LEITOR DA BÍBLIA E ELA SEMPRE SERÁ A INERRANTE PALAVRA DE DEUS AOS HOMENS E, OS SERES HUMANOS NADA FORAM, SÃO OU SERÃO SEM QUE POR MEIO DESTA PALAVRA ESCRITA TRILHEM OS CAMINHOS RETOS DE DEUS , SEM A INFLUENCIA DE HOMENS QUE SE ACHEM MAIS CERTOS QUE DEUS OU PESSOAS QUE POR MEDO, INVEJA OU VERGONHA ODEIEM AO DEUS DA BIBLIA E QUEIRAM FAZE LO DO MODO QUE ACHAM ” MAIS CERTO” , MAS QUE NUNCA CONSEGUIRÃO. DEUS JAMAIS PRECISARÁ DA “AJUDA FRACA ” DO SER HUMANO.

  3. Todu o que se define como Tradição nada mais é que historinhas contadas de geração a outra.
    Na Bíblia tem muito disso. Nada de notável nisso.
    Assim como Torá e Corão.

  4. Dinheiro público gasto em uma babaquice! Por que? Primeiro que já organizaram o dito cujo lá no Sínodo de Hipona (393), deixaram de fora outros texto lhe convinham à época!
    Todo livro sagrado pra um povo ou credo foi algo organizado pelo homens e mudam os tempos, mudam os textos, nada mais natural considerando a História Humana…

  5. E ainda há que se perguntar “qual” Bíblia será usada como “referência”? A Católica? As reformadas? Dentre essas, qual das reimpressões e edições?

    Já existem inúmeras versões da Bíblia, quem vai definir qual é a “correta”? Que falta de senso…

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