Em 1 de fevereiro de 1985, o Vasco perdeu um dos melhores defensores da sua rica e longa trajetória. Após ter participado de uma peixada na casa do centroavante Cláudio Adão, no Leblon, o zagueiro Daniel Angel Gonzalez Puga foi vitimado por um acidente fatal automobilístico na Autoestrada Lagoa-Barra. O Monza vermelho, o qual dirigia, derrapou vindo a bater na coluna de sustentação de uma passarela, logo após a saída do Túnel Dois Irmãos, em frente à Rocinha. O jogador estava em companhia da esposa, Mabel Puga, de 25 anos, que, com fraturas, foi internada no Hospital Samaritano, mas sobreviveu. Coincidentemente, quem atendeu Daniel no Miguel Couto foi o médico do Vasco, Válter Martins, que estava de plantão. Ele atestou que o zagueiro teve oito costelas fraturadas, afundamento do tórax e ruptura da veia aorta. Enquanto estava sendo atendido, sofreu três paradas cardíacas, não resistindo à quarta, consequentemente vindo a óbito.
Seu companheiro de clube, Cláudio Adão, havia preparado um jantar e convidado os amigos Daniel Gonzalez e esposa, além do zagueiro Ivan, o lateral-direito Edevaldo e o meia Carlos Alberto Pintinho. Gonzalez, sempre um dos mais alegres e brincalhões do elenco, gostou tanto da peixada que a repetiu quatro vezes. Pouco depois da meia-noite, Adão o convidou para que o casal fosse com o restante do grupo a uma boate. A preferida era a Studio C, em Copacabana, mas o zagueiro declinou, alegando que deveria estar cedo em São Januário. Não quis topar mais algumas horas de lazer, durante a madrugada, sob o argumento de que precisava se preservar, preocupado com o adversário seguinte, o Fluminense. Bem que a esposa, Mabel, queria estender o programa. Uma pena, ele não ter cedido, haja vista que as mulheres dispõem de um apurado sexto sentido.
Portanto, Daniel e a mulher despediram-se do grupo e seguiram em direção à residência, localizada na Barra da Tijuca. Ele trafegava em alta velocidade, quando ao sair do Túnel Dois Irmãos se deparou com a estrada inundada pela chuva. Quis frear, mas o veículo derrapou, indo colidir com a coluna de sustentação da passarela em frente à Rocinha. Ele tinha 30 anos e deixou um casal de filhos, Marcelo e Daniela, de 5 e 3 anos, respectivamente.
Há seis anos no Brasil, o uruguaio de Montevidéu, iniciou sua carreira no modesto Fénix, um pequeno clube de bairro da capital. Apesar disso, progrediu tão rapidamente que logo foi convocado para a Seleção Uruguaia, quando já então vestia a camisa do Peñarol. Em 1979, foi adquirido pela Portuguesa de Desportos. Após dois anos no Canindé, e ainda sem nenhum título, foi negociado junto ao Corinthians, o qual cedeu à Lusa o também uruguaio Taborda e uma alta soma em dinheiro. No Parque São Jorge, continuou sendo o marcador corajoso e líder nato da equipe campeã paulista em 1982.
Comprado pelo Vasco, no segundo semestre de 1983, chegou a São Januário prometendo muita luta e desmentindo informações de que era um dos líderes da renomada Democracia Corinthiana, movimento formado por atletas do Timão, que reivindicava maior representatividade nas decisões. O fato é que um mês antes de falecer, identificou-se claramente como um dos porta-vozes dos atletas vascaínos junto aos dirigentes, os quais cobravam atualizações de prêmios, geralmente em atraso, direitos de arena e pagamento pontual das luvas devidas ao elenco.
Logo que souberam do seu falecimento, através das emissoras de rádio, diversos jogadores do Vasco compareceram ao Hospital Miguel Couto, entre os quais, Roberto Dinamite, Aírton, Ivan, Cláudio Adão, Acácio, Geovani, Mauricinho e o goleiro Roberto Costa. O então treinador do time, Edu Coimbra, o presidente Antônio Soares Calçada, o vice de futebol José Luís Mano e o supervisor Paulo Angioni também estiveram presentes.
No Gigante da Colina se sagrou vice-campeão brasileiro, campeão da Taça Rio e terceiro colocado no Campeonato Estadual, todas as competições realizadas em 1984.
“Era uma ótima pessoa, um líder dentro e fora de campo, além de um sujeito sensacional. Me recordo bem que o fato aconteceu pouco depois que voltamos de Porto Alegre, quando lá perdemos para o Grêmio por 3 a 1. Todos ficamos extremamente consternados. Havia, inclusive, uma partida contra o Fluminense na mesma semana que foi adiada, pois não havia clima possível”, ressaltou o ex-volante Oliveira.
O ex-zagueiro Duílio, que foi seu companheiro na Portuguesa durante 19 meses, e atuava na época pelo Tricolor das Laranjeiras, ficou arrasado.
“Daniel era uma pessoa do bem. Bom caráter, um cara família, sem contar o excelente profissional em todos os aspectos. Fizemos uma grande dupla de zaga na Portuguesa de Desportos. Quando nos tornamos adversários, nos encontrávamos sempre após os jogos, pois permaneceram sempre a empatia e a amizade que ficaram daquele tempo. Deixou saudades”, declarou o eterno xerife da zaga do Fluminense.
O goleiro titular Roberto Costa, Bola de Ouro da Revista Placar, em 1983 e 1984, foi outro que exaltou as qualidades do amigo.
“Foi um grande amigo que tive no futebol. Inclusive nas concentrações ficávamos no mesmo quarto. Éramos parceiros de canastra. Já como profissional, era exemplar. Tinha muita garra e instinto de liderança dentro e fora de campo. Era um excelente jogador. Senti muito a sua perda, pois éramos muito próximos”, relembrou.
O técnico Zé Mário relembra uma passagem comovente de quando ambos jogaram na Portuguesa de Desportos.
“Cheguei na Portuguesa quando ele ainda estava de férias no Uruguai. Eu estava em um hotel e procurava um apartamento para morar. Um dia saí do treino e fui à administração. Daniel me viu e perguntou onde eu estava hospedado. Informei-lhe o lugar e ele se ofereceu para me levar até lá. Respondi-lhe que não era necessário, pois o clube já tinha me disponibilizado um motorista. Mesmo assim, ele dispensou o motorista. Entrei no carro dele e fomos até a frente do hotel, eu agradeci pela carona, tencionando me despedir, mas ele me disse que queria subir até o quarto. Retruquei que minha esposa estava lá. Ele falou que iria subir mesmo assim. Pensei que ele era maluco. Avisei a minha esposa que ele vinha comigo. Bati na porta, a Bela abriu e entramos. Ele foi direto ao meu quarto e foi juntando todas as nossas roupas e jogando dentro de uma mala. Estupefato, lhe perguntei o porquê daquilo. Ele falou que iríamos ficar na casa dele. Ficamos apavorados. Eu não o conhecia e nem ele a mim. Ele foi saindo pela porta puxando as malas e não tivemos outro jeito, senão seguirmos. Eu ia falando que aquilo não estava certo e ele ia em frente. Chegamos ao seu apartamento e ele não tinha avisado nada, até porque não existia celular como hoje. Entramos de olhos arregalados. Depois me fez comprar um apartamento no mesmo condomínio dele. Só o bloco era diferente. Graças a Deus ganhei um irmão. Mantenho até hoje contato com a família. O neto tem 8 anos e almeja ser jogador de futebol”, reitera emocionado.
Daniel Gonzalez conseguiu, em sua curta trajetória pelo Vasco, impor-se e até mesmo inscrever o seu nome na galeria dos grandes profissionais que defenderam essa camisa. Jogador vibrante, de muito destemor, costumava definir-se como um homem que não admitia derrotas. Bom amigo, excelente chefe de família, deixaria um vazio imenso em todos aqueles que o conheceram e tiveram o prazer de desfrutar da sua convivência.