André Luiz Pereira Nunes: O Coelho e o Gambá no caminho do Vasco da Gama

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre um dos episódios mais emblemáticos da história do Vasco contra o racismo

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Antes de 1924 não podiam ser inscritos na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) e na Federação Brasileira das Sociedades do Remo (FBSR) praças de pré, guardas-civis, trabalhadores braçais, barbeiros, garçons ou qualquer outra profissão na qual existisse o uso da gorjeta.

Foi nesse ambiente anacrônico, mesquinho e racista que Marcílio Teles, nordestino corajoso, de origem humilde e de palavra imutável, assumiu a presidência do Vasco em 1917.

Apesar de homem do remo, era afeiçoado ao futebol. Dois fatos importantes ocorreram na sua administração. O primeiro envolveu uma polêmica desclassificação de uma guarnição do Vasco por parte da Federação Brasileira das Sociedades do Remo, culminando com que o Grêmio Almirantino recorresse da decisão. Marcílio pensava contar na audiência com o apoio da maioria das agremiações, incluindo o Clube de Regatas Guanabara, então presidido por Edgard Leite Ribeiro.

O próprio Marcílio foi o defensor de seu clube na Federação de Remo. Mas, para espanto geral, Edgard Leite Ribeiro, do Guanabara, votou contra o Vasco. Apesar dessa inesperada reviravolta, Marcílio obteria ganho de causa. Ao término da votação, esse nordestino destemido não deixou por menos. Ao puxar um punhal da cintura, brandiu-o, e exclamou em pleno plenário, dirigindo-se a Edgard.

A um nordestino não se falta a palavra sem morrer“!

A turma do deixa-disso, porém, não permitiu que o pior se consumasse.

A segunda contenda defendida por Marcílio verificou-se na Liga Metropolitana após uma partida contra o SC Americano, no campo do Botafogo, que terminou em igualdade de 3 a 3. O clube adversário escalara o zagueiro Gambá, entregador de carnes de um açougue do bairro de Riachuelo.

Gambá era um trabalhador braçal e, como tal, não poderia ser inscrito na Federação. Ao aceitar a denúncia do Vasco, a Liga exigiu provas, visto que os testemunhos não foram aceitos.

O Gigante da Colina então providenciou um fotógrafo que nas primeiras horas da manhã se dirigiu para o Riachuelo. Sua missão era registrar o ofício de entregador do zagueiro Gambá.

Era um domingo. Gambá saiu com um caixote à cabeça. Talvez pensando que iria posar para a posteridade, deixou-se fotografar humildemente em plena calçada para espanto dos transeuntes.

Coloca o rosto mais para a esquerda. O caixote mais ao centro. Agora olha o passarinho aqui na minha mão! Um, dois, três, pronto“!

A apresentação da fotografia de Gambá no Conselho Divisional da Liga foi um escândalo. Ninguém mais podia negar a sua natureza de trabalhador braçal.

Contudo, Coelhão, presidente do SC Americano, político hábil e inteligente, segurou o registro e exclamou:

Isso é um truque fotográfico, igual a um que possuo em casa no qual aparece o presidente do Vasco, Marcílio Teles, que nós sabemos ser um homem de sociedade e posição definida, a vender galinhas em praça pública“.

Coelhão pediu o adiamento do julgamento e, oito dias depois, apareceu em plenário com uma montagem em que se via o presidente do Vasco ladeado por um burro, carregado com dois jacás de galinhas, portando um galináceo na mão e apregoando-o ao público.

A partir dessa data a Liga Metropolitana passou a não tomar mais conhecimento de provas fotográficas e o SC Americano obteve ganho de causa.

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André Luiz Pereira Nunes é professor e jornalista. Na década de 90 já escrevia no Jornal do Futebol e colaborava com Almir Leite no Jornal dos Sports. Atuou como colunista, repórter e fotógrafo nos portais Papo Esportivo e Supergol. Foi diretor de comunicação do America.

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