André Luiz Pereira Nunes – Zâmbia, 1993: uma geração de ouro mergulhada no oceano

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O inédito sonho de disputar a Copa do Mundo estava a ponto de ser concretizado por parte de uma desconhecida seleção africana. A geração de atletas era a melhor de todos os tempos. O futebol alegre e envolvente lembrava muito o de Camarões, que encantara o mundo no Mundial anterior. Muitos especialistas prognosticavam que essa seria a nova sensação da competição mais importante da Terra. O que faltou para a Seleção de Zâmbia, país localizado na África Oriental, sem saída para o mar e de relevo acidentado e repleto de vida selvagem e safáris, chegar ao Mundial dos Estados Unidos?  

Para melhor compreensão acerca da tragédia de 27 de abril de 1993, à qual vitimou 18 atletas, comissão técnica e demais membros da delegação, é necessário recuarmos até as Olimpíadas de 1988, em Seul, quando os africanos inicialmente despontavam como meros participantes daquele certame.

Após uma morna estréia, um empate de dois gols contra o Iraque, os zambianos defrontariam a Itália, cuja estréia havia sido muito mais proveitosa. Os italianos haviam goleado a fraca Guatemala por 5 a 2. Sem nenhuma preocupação, a equipe de Ciro Ferrara, Roberto Baggio e Mauro Tassotti acreditava que iria repetir o feito anterior na tentativa de engrenar na disputa. Contudo, o destino tinha outros planos. Zâmbia veio a aplicar uma goleada histórica e retumbante de 4 a 0 com direito a hat-trick de Kalusha Bwalya, um atacante de 25 anos, rápido e extremamente habilidoso que logo após se tornaria companheiro de ataque de Romário, no PSV Eindhoven. A trajetória vitoriosa em Seul, no entanto, não perduraria por muito tempo. Os habilidosos e audaciosos africanos, apesar de ganharem o grupo e se classificarem, acabariam eliminados nas quartas de final, também goleados por 4 a 0 pela Alemanha Ocidental, dos jovens Jurgen Klismann, autor de três gols, Haessler e Riedle. Se tivessem vencidos os alemães, teriam cruzado com o Brasil, de Taffarel, Geovani e Romário, nas semifinais.

Realmente os zambianos amargaram a eliminação de Seul, mas a semente estava plantada. O país detinha um conjunto de atletas de muita qualidade e habilidade. As condições para se classificar para a Copa do Mundo seriam extremamente favoráveis. 

Nas Eliminatórias para a Copa de 1990, a seleção ficou em segundo lugar em um grupo cujos rivais eram Tunísia, Zaire e Marrocos. Somente o líder do grupo passava para a fase seguinte. A Tunísia ficou em primeiro, um ponto acima de Zâmbia, e se classificou para a disputa de uma vaga africana para o Mundial de 1990 contra a seleção de Camarões. A outra vaga do continente ficaria com o Egito, o qual batera a Argélia. O mesmo Camarões, de Roger Milla e Omam-Biyik, que encantaria o mundo sete meses depois com inesquecíveis triunfos sobre a Argentina, Colômbia e uma sofrida eliminação nas quartas de final para a Inglaterra em uma partida disputadíssima. O pouco de futebol alegre daquela Copa, cuja edição foi a de menor média de gols, adveio verdadeiramente dos Leões Indomáveis.

Senegal e Marrocos eram os principais rivais na busca pela classificação ao Mundial dos Estados Unidos, em 1994. Após uma primeira fase sem sobressaltos, à qual os zambianos passaram sem percalços por Madagascar, Namíbia, Tanzânia e Burkina-Faso, Zâmbia teria pela fase final o forte Senegal pela frente. Todavia, as dificuldades de logística eram inúmeras. A falta de financiamento da Federação tornava cada viagem um suplício. Para se ter uma ideia, meses antes, para jogar em Madagascar, a comitiva teve que esperar cinco horas para reabastecer o avião, o que só foi feito mediante um acordo relativo ao pagamento do combustível. Para minorar esses problemas, as viagens passaram a ser feitas em velhos aviões da Força Aérea do país. Os atletas ainda brincavam ao dizer que aqueles aviões ainda os matariam a todos. 

Infelizmente a profecia se concretizou. Conforme dito, o adversário era Senegal e o cotejo se realizaria fora de casa, em Dacar. Após uma parada em Libreville, capital do Gabão, a aeronave mergulhou no mar após incêndio no motor, o qual provocaria um erro primário do piloto. Ele simplesmente desligou o motor errado, fazendo com que o avião perdesse potência e despencasse. Ao todo trinta pessoas perderam suas vidas. Do plantel principal da seleção, somente três escaparam da morte, destacando Kalusha Bwalya, o qual viajaria diretamente da Holanda para Dacar.

Mesmo diante de uma tragédia sem precedentes e estando com um elenco totalmente desfigurado, Zâmbia valentemente lutou até o fim pela ida ao Mundial. Kalusha Bwalya assumiu a liderança em campo e seu time ainda venceu o primeiro jogo pós-tragédia ao bater Marrocos por 2 a 1, em Lusaka. Depois de um empate em Dakar e uma goleada sofrida para o Senegal por 4 a 0, a decisão iria para a última rodada, no Marrocos. Bastaria apenas um ponto para os zambianos se classificarem para a Copa. Mas o destino foi mesmo implacável. Mesmo após inaugurar o marcador, Zâmbia sofreu a virada dos marroquinos e ficou mesmo fora do Mundial dos Estados Unidos.

A nação ainda permanece sem conseguir marcar presença numa Copa. Sequer voltaria a estar tão próxima desde o fatídico ano de 1993. Contudo, na Copa das Nações Africanas fez história em 2012, derrotando na final, após desempate por pênaltis, a temida e fortíssima Costa do Marfim. Quis ainda o destino que a final fosse disputada justamente em Libreville, Gabão, muito próximo do local onde caíra o avião. O sonho deles era trazer a glória para o nosso país. É o mesmo que nos traz aqui hoje. A diferença é que nós estamos vivos e eles já não’’, ressaltou Kalusha Bwalya, já na condição de presidente da Federação Zambiana de Futebol.

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André Luiz Pereira Nunes é professor e jornalista. Na década de 90 já escrevia no Jornal do Futebol e colaborava com Almir Leite no Jornal dos Sports. Atuou como colunista, repórter e fotógrafo nos portais Papo Esportivo e Supergol. Foi diretor de comunicação do America.

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