Antiga tradição de bordados católicos retorna a igrejinha no Centro

Na igrejinha dos Mercadores, cerimonialista veterano retoma a tradição católica de enfeitar as igrejas com bordados difíceis de serem executados no mundo de hoje, reunindo costureiras e bordadeiras para executar projetos que eram comuns cem anos atrás

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A beleza e a riqueza do bordado tradicional que foi feito pelo cerimonialista Amaro Leandro e suas costureiras, para ornamentar a fachada da Igrejinha dos Mercadores / Foto: DIÁRIO DO RIO

O cerimonialista Amaro Leandro Barbosa é velho conhecido da sociedade carioca; organiza festas de casamentos, jantares, decorações em flores, e atuando também em diversos eventos no Copacabana Palace e outros endereços de luxo do Rio de Janeiro. Não confessa a idade, mas dizem que tem mais do que aparenta. Recentemente, devido a uma amizade antiga com o novo provedor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, passou a integrar a equipe da Irmandade dona do templo, auxiliando nas celebrações, eventos e também nas já conhecidas missas com coral e grande orquestra que têm sido promovidas pela entidade religiosa todos os sábados e domingos ao meio-dia.

Durante as obras de recuperação da igreja, Leandro – como é chamado – participou de perto da pesquisa dos documentos históricos, dentre os quais foram encontrados pela equipe da irmandade mais de 150 negativos de fotos históricas que vão desde o início do século XIX até 1947, ano em que foi dada uma grande festa em comemoração aos 200 anos da Irmandade dos Mercadores, primeira associação de comerciantes formal da história do Brasil. Mandados revelar pela provedoria, foram encontrados verdadeiros tesouros, que inclusive embasaram recente apreensão pelo Iphan e PF de arte sacra desaparecida há décadas num leilão chique do Rio, como amplamente noticiado. Mas ao experiente cerimonialista, o que lhe brilharam os olhos foram as cortinas, panos e bordados que ornamentavam a igreja no passado.

“Eram tecidos e cortinas de uma beleza a rivalizar com o Palácio de Buckingham“, diz; cortinas de renda em todas as janelas dos camarotes; bandôs com detalhes dourados; panos de entrada com brasões magníficos bordados em prata e linhas coloridas; cortinas brasonadas com coroas imperiais; panos e mais panos que continham bordados “de tirar o chapéu”. Foi assim que Leandro convenceu o provedor a reeditar grande parte daquelas maravilhas que vestiam a linda igreja em estilos barroco e rococó há quase 100 anos atrás, quando era dia de festa. Abaixo, à esquerda, vê-se a foto de 1947, com o antigo pano que há quase 80 anos deixou de enfeitar a igrejinha; à direita, abaixo, vê-se o pano bordado pelo cerimonialista e sua equipe de costureiras e bordadeiras, já pendurado na fachada da igrejinha que vem ajudando o Centro do Rio a renascer.

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Mas primeiro chegaram as imensas cortinas de renda com motivos católicos preparadas a mão pela costureira Eulália Silva, velha amiga de Leandro; a irmandade é simbolizada pelo monograma AM, de ‘auspice Maria‘, encimado pela coroa imperial de Dom Pedro II, que assinou os estatutos da irmandade em 1845 (o documento deverá fazer parte de uma exposição sobre a história do templo e da devoção dos comerciantes do Centro à Nossa Senhora da Lapa). Agora, começam a chegar outras peças, como o estandarte da irmandade – que é utilizado em todas as missas durante a procissão e foi feito pela experiente paramenteira Rita Bianchi, de Petrópolis.

Mas esta semana, a chegada do pano de entrada verde com o escudo da irmandade parou pessoas na rua do Ouvidor e adjacências. Com três metros de altura por outro tanto de largura, o pano bordado a ouro pelas costureiras orientadas pelo veterano cerimonialista tem bem no meio uma imensa coroa acolchoada em veludo, cercada de pedrarias, e uma espécie de bordado alto, grosso, que não se vê todos os dias. O festeiro Leandro explica que um grupo de bordadeiras de uma escola de samba trabalhou junto com ele no projeto, uma “bela união entre o sacro e o profano”, afirma. A verdadeira obra de arte feita pelas costureiras chama atenção de quem passa na rua, e, pela primeira vez, neste sábado e domingo, durante as missas de meio-dia, os portões serão abertos deixando a cortina gigante flamular ao vento da travessa dos Mercadores. O acesso à igreja dá-se através do pano, ou, se você tiver pena como eu tive, pelo imenso portão do lado esquerdo da obra de arte.

Leandro está desenvolvendo agora outros projetos para as cortinas internas que separam ambientes na igreja. A idéia é reeditar todas as cortinas que existiam, tentando ser o mais fiel possível ao seu estilo. A próxima e mais difícil tarefa será desenvolver a cortina que separava o presbitério (parte onde fica o altar) da sacristia. Uma cortina completamente tomada de bordados e que deverá abrilhantar mais ainda a igrejinha setecentista. A foto original impressiona (abaixo, à esquerda).

Nossa Igreja hoje sem dúvida é das que têm mais capricho e fidelidade com a época. Estamos prontos para realizar casamentos majestosos, batismos lindos, e até mesmo missas de sétimo dia com a decoração fúnebre que se utilizava no século XIX”, explica o provedor Cláudio André de Castro, que assumiu a função em junho. A igreja tem aproximadamente 125 lugares sentados, e indica o dedicado Leandro para aqueles que não têm um cerimonialista de preferência para cuidar de seus eventos. “O trabalho que vem realizando aqui não tem preço. A igreja já era uma jóia, mas agora é uma jóia polida e muito atraente”, diz Castro sobre o amigo, que pode ser encontrado quase todos os finais de semana na igrejinha durante as Missas com Coral e Orquestra.

“Resolvemos colocar o pano nos portões só agora que instalamos câmeras de segurança da startup Gabriel em toda a região, assim pegamos qualquer vândalo que possa tentar acabar com nossa alegria”, diz o zelador da igreja, Marcelo, que acessa as imagens em tempo real até de casa. Segundo ele, as imagens ficam no arquivo por meses. Tanto a rua dos Mercadores, como a Ouvidor e também a Travessa do Comércio estão monitoradas.

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