Antônio Sá: Enchentes na Cidade do Rio em prosa e verso há 110 anos

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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Quem mora no Rio sabe muito bem que, de dezembro a abril, temos um período de chuvas que são típicas do verão na região.

Um grande volume de chuvas acontece, normalmente, verão após verão. É totalmente normal e esperado que essas chuvas ocorram ao longo dessa estação.

E isso acontece há anos.

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O que falta é a ação dos governantes para evitar que as enchentes ocorram e para tomar as devidas providências para estarmos prontos para agir imediatamente quando elas ocorrem, em vez de ficarem postando mensagens, até com desculpas esfarrapadas, dancinhas, ironias e piadinhas, nas redes sociais.

Veja que, desde a construção do piscinão da Praça da Bandeira, inaugurado no dia 29 de dezembro de 2013, antes da Copa do Mundo de 2014, não temos mais os tradicionais alagamentos anuais que tínhamos naquela região. Aquele piscinão tem capacidade para 18 milhões de litros, 20 metros de profundidade e 35 de diâmetro.

No entanto, esse tipo de obra é daquelas que governantes Tik Tokers não gostam, pois são subterrâneas e não aparecem para a população, não propiciando assim boas fotos e videos para eles usarem em suas campanhas eleitorais.

As nossas, infelizmente, tradicionais, enchentes (e mortes ocasionadas por elas) são rotina em nossa cidade e em nosso estado que até estão registradas em prosa e verso há muito tempo.

Em 1915, ou seja, há quase 110 anos, o excelente cronista Lima Barreto publicou no periódico Correio da Noite, de 19/1/1915, uma crônica com o título “As enchentes”.

Nessa crônica, temos os seguintes trechos que até parece que foram escritos nos dias de hoje:

“As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro inundações desastrosas.

Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.

De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.

Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.”

“O prefeito Passos (aqui, no lugar do nome de prefeito Pereira Passos, poderíamos colocar os nomes dos prefeitos posteriores a ele, parênteses de A. Sá) que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.”

“Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.”

Quem quiser ler a íntegra dessa crônica pode o fazer indo ao seguinte sítio: https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/14275/as-enchentes

Mas não é só na prosa que nossas, infelizmente tradicionais, enchentes são comentadas. Elas estão também em versos.

A música “Cidade Lagoa”, composta em 1959, há mais de 60 anos, pelo saudoso poeta Moreira da Silva, também conhecido como Kid Morengueira, o Último dos Malandros, já retratava os efeitos das chuvas na cidade do Rio.

Moreira da Silva usou de muito bom humor, como sempre faz em suas músicas, para elaborar uma excelente crítica ao que ocorre com as periódicas enchentes em nossa cidade.

Essa música é ainda muito atual, como se pode ver nos trechos abaixo dela:

“Esta cidade, que ainda é maravilhosa

Tão cantada em verso e prosa

Desde os tempos da vovó

Tem um problema vitalício e renitente

Qualquer chuva causa enchente

Não precisa ser toró

Basta que chova, mais ou menos meia hora

É batata, não demora, enche tudo por aí

Toda a cidade é uma enorme cachoeira”

“Que maravilha, nossa linda Guanabara

Tudo enguiça, tudo para

Todo o trânsito engarrafa

Quem tiver pressa, seja velho ou seja moço

Entre n’água até o pescoço

E peça a Deus pra ser girafa”

“Por isso agora já comprei minha canoa

Pra remar nessa lagoa, cada que a vez que a chuva cai”

“Mas que toró! Vou meter uma roupa de escafandro pra atravessar a lagoa”

Quem quiser ler a íntegra da letra dessa música pode o fazer através do sítio: https://www.letras.mus.br/moreira-da-silva/842807/

E quem quiser ouvir essa música na voz do Moreira da Silva deve ir no sítio: https://youtu.be/9hx-B0e-BAM?si=76LwVC1USzqeVzH-

Agora, infelizmente, resta-nos somente esperar os desastres sociais humanos que teremos nas próximas enchentes e torcer para que sejam poucos, pois, passando este período, os governantes deverão voltar a sua rotina de mensagens TiK Tokers e nada será feito, como ocorreu nas enchentes passadas.

Antônio Sá – Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex-Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia

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4 COMENTÁRIOS

  1. Chuva e calor, principalmente no mês de janeiro, desde antes da fundação da cidade, em 1565. E nos últimos anos ouvimos sempre a mesma cantilena. A culpa é do aquecimento global.

  2. Excelente artigo, as inundações são históricas, todo mundo sabe que elas acontecem todo ano, sempre na mesma época e locais, mas alguns fingem-se de surpresos e desentendidos. Realmente os piscinões acabaram com as enchentes na região da Tijuca e Praça da Bandeira, e foi o atual prefeito que fez, mérito dele. Todavia, aumentaram as inundações no Centro, Flamengo, Botafogo, Jd.Botânico e Lagoa. Ao que parece o fenômeno apenas se transferiu de um lugar para outro. Para esperar algo bom da engenharia municipal, de todos os ramos, é um bom alvitre aguardar sentado, pois em pé há de cansar…

    • Prezado Guilherme, que bom saber que o artigo foi de seu agrado. Sim, concordo com seus comentários complementares. Pena que, durante a espera de alguma ação efetiva e não marqueteira, alguns cidadãos perdem a vida. Um abraço. Antônio Sá

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