No dia 14 de dezembro, foi publicada a Lei nº 8.227, de 13 de dezembro de 2023, que “Dispõe sobre os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais e dá outras providências.” (1)
Sobre o Projeto de Lei – PL que originou essa Lei, eu publiquei neste Diário do Rio, no dia 6 de dezembro, o artigo “PL subsídio do prefeito/subteto remuneratório: duas inconstitucionalidades flagrantes”. (2)
Como o texto do PL criticado naquele artigo foi sancionado integralmente pelo senhor Prefeito, volto a apontar as duas inconstitucionalidades daquela Lei, a fim de subsidiar uma Ação de Inconstitucionalidade – AI a ser proposta por algumas das pessoas e entes, que, segundo o artigo abaixo da Constituição Estadual, estão habilitadas para tal mister:
“Art. 162 – A representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governador do Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros da Assembleia Legislativa, pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Defensor Público Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores, e por federação sindical ou entidade de classe de âmbito estadual.”
Creio que aquelas duas inconstitucionalidades deveriam ser pauta da análise urgente do senhor Procurador-Geral de Justiça, que é o chefe do Ministério Público – MP.
Isso porque, segundo o artigo abaixo da Constituição Federal, compete ao MP a defesa da ordem jurídica:
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
Espero que, para o bem da democracia em nosso Município, o MP do Rio de Janeiro – MPRJ não se omita no combate às duas inconstitucionalidades da Lei em tela.
Infelizmente, o MPRJ, embora seja eficiente em outras áreas, tem se omitido, no que se refere à atuação legislativa do atual Prefeito, não atacando judicialmente leis e decretos municipais inconstitucionais, como tem sido os casos:
1) das leis sobre benefícios tributários que não atendem aos ditames do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (como, por exemplo, a Lei nº 7.751, de 29 de dezembro de 2022, que isenta do IPTU os clubes sociais portugueses); e
2) dos diversos Decretos extinguindo e criando Secretarias, com a total subserviência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ, que aceita, como um cordeiro, a retirada de sua competência constitucional indelegável de discutir e de aprovar ou não essas mudanças administrativas.
Veja abaixo o que determina o artigo citado no item 1 acima:
“Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT:
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. (Incluído pela EC 95/2016)”.
Já tratei dessas questões em diversos artigos neste Diário do Rio e brevemente votarei a escrever um novo artigo sobre o item 2 acima.
Mas vamos às duas inconstitucionalidades da Lei sobre o subsídio do Prefeito.
A Lei sob análise foi aprovada para atender a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que declarou, na AI nº 0033315-44.2005.8.19.0000, a inconstitucionalidade da Lei nº 3.881, de 27 de dezembro de 2004, que fixava o subsídio do Prefeito do Município em oitenta e um inteiros e vinte e dois centésimos por cento do teto previsto no art. 37, XI da Constituição da República (que é o valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF), e em oitenta por cento do subsídio do Prefeito do Município o subsídio do Vice-Prefeito.
Segundo a decisão do TJRJ, existe vedação constitucional à vinculação remuneratória, por violação ao disposto no art. 77, Inciso XV, da Carta Estadual, que reproduz o art. 37, Inciso XIII, da Constituição Federal.
Além disso, a Corte Suprema assentou, em recente julgado proferido na ADI nº 7264, que é inconstitucional a vinculação de remunerações de cargos e carreiras pertencentes a entes federativos distintos ao subsídio de Ministros do STF.
Para resolver esse problema constitucional, eu tinha apresentado, através do artigo “Subteto municipal: proposta para resolver imbróglio próximo” (3), publicado neste Diário do Rio, no dia 11 de setembro, um anteprojeto de Lei sobre o assunto, que serviu de base para o PL da CMRJ que originou a Lei em apreço.
Naquele anteprojeto de Lei, para evitar o aumento de despesas e um possível questionamento e declaração de inconstitucionalidade dele, por ferir o art. 113 do ADCT, eu só transformei para reais os valores em percentuais dos subsídios dos Ministros do STF, conforme já previsto há muito tempo na Lei declarada agora inconstitucional. Ou seja, a despesa com a nova Lei já estaria prevista.
Agora, infelizmente, ao contrário do que eu propus, o a Lei proposta pela CMRJ/Prefeito estabeleceu também um novo valor de subsídio para os Secretários Municipais.
Algo que não constava de propósito no anteprojeto de Lei que eu propus e nem constava da Lei derrubada na Justiça.
A Lei em tela inova ao estabelecer que o valor do subsídio dos Secretários será igual ao valor do subsídio do Vice-Prefeito, que, segundo a Lei declarada inconstitucional, seria de 80 % do valor do subsídio do Prefeito.
Na Lei declarada inconstitucional, que a nova Lei pretende tornar constitucional estabelecendo valores em reais e não mais em percentuais, não temos o valor do subsídio dos Secretários.
Assim sendo, a Lei da CMRJ/Prefeito, ao estabelecer valor para o subsídio dos Secretários além dos subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito, estaria sim criando despesa nova.
E, como tal, segundo o art. 113 do ADCT, antes transcrito, o PL que a originou deveria ter apresentado, previamente, a estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que não foi feito.
Logo, essa inclusão na Lei do novo valor do subsídio dos Sectários seria inconstitucional.
Como na lei declarada inconstitucional, não tínhamos o valor do subsídio dos Secretários, para efeito de se provar que há realmente aumento de despesa com esse novo valor do subsídio deles, temos que o comparar com o valor que atualmente é pago aos Secretários. Este valor atual é de R$ 17.306,66, mas, segundo a nova Lei, ele passará a ser de R$ 27.063,09.
Basta olhar no sítio Transparência Rio os contracheques dos Secretários Municipais para se comprovar que o valor do subsídio deles de dezembro 2022 a novembro de 2023 é mesmo de R$ 17.306,66.
Podemos ver isso também na tabela oficial dos valores dos cargos em comissão e funções gratificadas no sítio de Transparência da Prefeitura, na qual temos o valor do subsídio dos Secretários desde dezembro de 2022. (4) Nessa tabela, SE corresponde a Secretário.
Ou seja, ao contrário do que ocorre com os subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito, em que simplesmente trocou-se o valor estipulado em percentual por valor equivalente em reais, no caso do novo subsídio dos Secretários, temos sim aumento de despesa sem cumprir o que determina o art. 113 do ADCT.
Logo, esse novo valor do subsídio dos Secretários é inconstitucional !!!
O PL que originou a nova Lei teria que ter apontado, previamente, no caso do novo valor do subsídio dos Secretários, a estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, conforme determinado no artigo 113 do ADCT.
A outra inconstitucionalidade da Lei da CMRJ/Prefeito, que não constava do anteprojeto que propus, é a estipulação de que os valores em reais dos subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito serão no futuro reajustados “na mesma data e com base nos mesmos índices de reajustamento da remuneração dos servidores da Administração Municipal” !!!!!
Isso também é inconstitucional, pois qualquer estudante neófito de direito sabe que o índice em tela é estipulado pelo Prefeito por Decreto e não pela Câmara por Lei, como exige a Constituição no dispositivo abaixo:
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(…)
V – Subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4o, 150, II, 153, III, e 153, § 2o, I;”
Ora, a Câmara Municipal, ao utilizar o índice estabelecido em Decreto do Prefeito para estipular o valor dos próximos subsídios do Prefeito e Vice, o que, segundo a Constituição Federal deveria ser feito por lei de iniciativa dela, está permitindo uma inconstitucionalidade e, o que é mais grave, está abrindo mão de uma competência privativa constitucional dela e a entregando de mão beijada para o Prefeito.
Como tenho escrito em alguns artigos neste Diário do Rio, isso já não me surpreende, pois nossa Câmara é, infelizmente, useira e vezeira em passar inconstitucionalmente para o Prefeito algumas de suas competências privativas determinadas pela Constituição Federal.
Espero que, no caso da Lei nº 8.227, de 2023, o MPRJ aja e não se omita em cumprir seu dever constitucional de defesa da ordem jurídica, questionando a inconstitucionalidade não da Lei sob análise, mas sim tão somente de seus dispositivos inconstitucionais, que tratam do novo valor do subsídio dos Secretários e do que determina que os subsídios estipulados nela serão reajustados na mesma data e com base nos mesmos índices de reajustamento da remuneração dos servidores da Administração Municipal.
(1) – https://drive.google.com/file/d/1_sA9TI-GPtBTS8AUNQOLEmygY4gLGKcD/view?usp=drivesdk
(2) – https://diariodorio.com/antonio-sa-pl-subsidio-do-prefeito-subteto-remuneratorio-duas-inconstitucionalidades-flagrantes/
(3) – https://diariodorio.com/subteto-municipal-proposta-para-resolver-imbroglio-proximo/
(4) – https://transparencia.prefeitura.rio/wp-content/uploads/sites/100/2023/07/cargos-em-comissao-funcoes-gratificadas-2022.pdf