O artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, é um dos dispositivos mais relevantes no combate ao tráfico de entorpecentes no Brasil. Este artigo estabelece as condutas que configuram o tráfico de drogas, bem como define as respectivas penas.
A primeira observação importante sobre o artigo 33 é que não há previsão do crime de tráfico na modalidade culposa.
O tráfico de drogas possui diversas nuances jurídicas que merecem atenção. Primeiramente, trata-se de um crime de tipo misto alternativo, ou seja, a prática de mais de uma conduta descrita no artigo 33 da Lei de Drogas, dentro do mesmo contexto, não gera múltiplos delitos, mas apenas um único crime.
A seguir, faremos uma análise detalhada de suas disposições e implicações.
Quer entender as diversas situações que configuram o crime de tráfico de drogas, conforme o Artigo 33 da Lei de Drogas? Na Lawdeck, você encontra explicações precisas, jurisprudência atualizada e materiais exclusivos para dominar esse tema!
Caput: condutas tipificadas e pena aplicável
“Art. 33 – Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias–multa.”
O caput do artigo 33 elenca uma série de condutas consideradas ilícitas quando realizadas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Entre elas, destacam-se a importação, exportação, remessa, produção, venda e transporte de drogas. A pena para tais condutas é severa, consistindo em reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tráfico de drogas é considerado um crime de ação múltipla. Isso significa que basta a prática de qualquer um dos verbos descritos no caput do artigo 33 para que o delito se consuma. No total, o caput apresenta 18 verbos, e a realização de qualquer uma dessas ações caracteriza o crime de tráfico de drogas.
Entre as diversas condutas previstas, destacam-se:
- Remessa de drogas: A consumação ocorre no momento do envio, sendo irrelevante se a substância chega ao destinatário ou não.
- Aquisição de entorpecentes: O crime se configura no instante do acordo entre as partes, independentemente da efetiva entrega da substância. De acordo com o STJ (HC 170.950), nem mesmo o pagamento é exigido para a consumação do delito.
Outro ponto fundamental, é a necessidade de comprovação da materialidade do crime. Isso exige a elaboração de um laudo que confirme que a substância apreendida é, de fato, um entorpecente listado na Portaria n.º 344 da Anvisa. Sem essa comprovação, não há como se falar em materialidade.
Na prática, após a apreensão da substância, o suspeito é levado à delegacia, onde é realizado um exame preliminar da substância, gerando um laudo inicial anexado ao Auto de Prisão em Flagrante (ou ao Termo Circunstanciado, no caso do artigo 28 da mesma Lei). O Instituto de Criminalística então tem um prazo maior para emitir o laudo definitivo, permitindo uma análise detalhada da substância.
A redação ampla do caput permite abarcar diversas situações relacionadas ao tráfico, inclusive o fornecimento gratuito de drogas, destacando o caráter repressivo da norma.
§ 1º: Extensão das condutas criminosas
O § 1º amplia o alcance do caput ao tipificar como crime o manuseio de matéria-prima, insumos ou produtos químicos destinados à produção de drogas, além do cultivo de plantas que servem como matéria-prima para esses produtos. Também criminaliza o uso ou permissão de uso de locais ou bens para o tráfico de drogas.
O §1º do artigo 33 da Lei de Drogas traz hipóteses equiparadas ao tráfico, igualmente consideradas crimes hediondos. Nos incisos I e II, a infração envolve não apenas drogas prontas para consumo, mas também matéria-prima, insumos ou produtos químicos destinados à sua fabricação. Já o inciso III tipifica a utilização de estabelecimentos comerciais ou veículos para o tráfico.
Por fim, um ponto de atenção relevante: conforme a Súmula 630 do STJ, a aplicação da atenuante por confissão espontânea no tráfico de drogas exige que o réu reconheça a prática do comércio ilícito, não sendo suficiente admitir apenas a posse da substância para consumo próprio.
I – Matéria-prima
“§ 1º – Nas mesmas penas, incorre quem: I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.”
O §1º do artigo 33 detalha condutas que, quando realizadas, estão sujeitas à mesma pena prevista no caput. O inciso I, em específico, aborda a posse ou manuseio de matéria-prima ou insumos destinados à preparação de drogas para o tráfico.
Como exemplo, na cocaína, traficantes aumentam a lucratividade misturando a “pasta-base” com substâncias como lidocaína ou cafeína, consideradas insumos. Porém, a posse isolada desses produtos não configura tráfico; é essencial comprovar que eram destinados à preparação de drogas ilícitas.
Na Lawdeck, você encontra todo o conteúdo necessário para entender as implicações do artigo 33 da Lei de Drogas e se aprofundar na legislação de forma clara e objetiva. Nosso conteúdo está sempre atualizado para ajudá-lo a compreender as nuances de cada dispositivo legal.
II – Plantio de insumos
“II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas.”
Aqui, a intenção é a distribuição ou comercialização da substância entorpecente, caracterizando a finalidade de circulação.
O inciso II do § 1º do artigo 33 da Lei de Drogas tipifica como crime o cultivo, sem autorização legal, de plantas utilizadas na produção de drogas ilícitas, como a maconha e a coca. A infração ocorre quando essas plantas são cultivadas para fins de preparação de entorpecentes, sendo essencial comprovar a intenção de produzir drogas. Embora as plantas possam ter outros usos legais, o cultivo com o propósito de fabricar substâncias ilícitas caracteriza o crime. O controle do cultivo visa prevenir o tráfico de drogas e garantir a fiscalização ambiental para evitar abusos.
III – Utilização de local para o tráfico
“III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.”
Observe que, de acordo com a legislação, o simples ato de permitir que outra pessoa utilize um local para praticar o tráfico de drogas já é suficiente para que o responsável pelo local também responda pelo crime de tráfico. Isso demonstra a gravidade da questão: mesmo que o indivíduo não tenha manuseado ou possuído qualquer substância ilícita, o consentimento para a prática do ato ilícito em seu estabelecimento, por exemplo, o torna passível das mesmas penas previstas.
IV – Venda de drogas para policial disfarçado
A Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) incluiu o inciso IV, que trata da venda ou entrega de drogas a agente policial disfarçado, desde que existam elementos probatórios razoáveis de conduta criminosa preexistente. Essa inclusão fortaleceu as estratégias de investigação no combate ao tráfico.
“IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.”
Essa alteração veio para esclarecer uma controvérsia amplamente discutida no mundo jurídico: a entrega de drogas a um policial disfarçado configuraria o crime de tráfico ou caracterizaria um flagrante preparado?
Atualmente, desde que haja elementos razoáveis que indiquem a prática de conduta delituosa prévia, o indivíduo responderá por tráfico de drogas ao entregar a substância ilícita ao policial disfarçado. Contudo, é essencial observar que deve existir uma causa provável que comprove que o agente já havia realizado atos ilícitos anteriormente.
Embora esse dispositivo ainda desperte amplos debates na doutrina e na jurisprudência, o essencial, no momento, é focar no texto literal da lei.
§ 2º: Induzimento ou auxílio ao uso indevido de drogas
“§ 2º – Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias–multa.”
O § 2º trata do ato de induzir, instigar ou auxiliar outra pessoa ao uso indevido de drogas, prevendo pena de detenção de 1 a 3 anos, acompanhada de multa. Este dispositivo reflete a preocupação do legislador em coibir não apenas o tráfico, mas também a influência negativa que pode levar ao consumo.
Neste contexto, a indução é entendida como a ação de “colocar” a ideia na mente de alguém. O indivíduo nunca havia pensado em usar drogas, mas um terceiro o convence a experimentá-las. A instigação, por sua vez, funciona como um reforço positivo, incentivando a ação. Já o auxílio refere-se à participação direta do agente, facilitando a satisfação da vontade da pessoa em consumir a substância entorpecente.
Esse dispositivo busca coibir comportamentos que incentivam ou facilitam o consumo de entorpecentes, mesmo que o agente não forneça diretamente a substância ilícita. Trata-se de um crime menos grave, pois não envolve necessariamente a comercialização da substância, mas sim a influência sobre terceiros para que façam uso indevido.
§ 3º: Oferecimento eventual de drogas
“§ 3º – Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, à pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias–multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.”
O § 3º prevê pena reduzida para o oferecimento eventual de drogas a pessoas de relacionamento próximo, com finalidade de consumo conjunto e sem objetivo de lucro. Essa distinção é importante, pois reconhece a existência de situações menos gravosas, diferindo-as do tráfico propriamente dito.
O § 3º do artigo 33 da Lei de Drogas trata do oferecimento esporádico de drogas, sem objetivo de lucro, entre pessoas com vínculo, para consumo conjunto. Apesar de ser uma infração menos grave que o tráfico habitual, a lei ainda pune a facilitação do consumo de substâncias ilícitas, considerando o impacto negativo desse comportamento. A doutrina costuma classificá-la como o tráfico de menor potencial ofensivo.
Uma característica importante desse crime é sua natureza formal, ou seja, ele se consuma no momento em que a substância é oferecida, independentemente de haver ou não o efetivo consumo pelo destinatário.
No entanto, é essencial diferenciar essa conduta do crime de tráfico de drogas, previsto no caput do artigo 33. O simples compartilhamento pode ser enquadrado como tráfico se:
- A droga for oferecida a um desconhecido;
- O ato de oferecer for reiterado, demonstrando habitualidade;
- Houver intenção de lucro, configurando um objetivo comercial.
A pena aplicada é de detenção de 6 meses a 1 ano, acompanhada de multa de 700 a 1.500 dias-multa. Ressalta-se que a aplicação deste parágrafo não exclui as sanções previstas no artigo 28 da mesma lei, que trata do porte de drogas para consumo pessoal.
§ 4º: Redução de pena
“§ 4º – Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
O § 4º permite a redução da pena de um sexto a dois terços para os crimes previstos no caput e no § 1º, desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Contudo, essa previsão vedou a substituição por penas restritivas de direitos, reforçando o caráter punitivo para condutas relacionadas ao tráfico de drogas.
Esse tipo penal é denominado pela doutrina como “tráfico privilegiado”. De acordo com a jurisprudência do STJ, a redução da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só pode ser aplicada se todos os requisitos estiverem presentes de forma cumulativa:
I – Primariedade; II – Bons antecedentes; III – Não se dedicar às atividades criminosas; IV – Não integrar organização criminosa.
Importante destacar que, conforme o entendimento do STJ no julgamento do HC nº 393.709/SP, em 20/06/2017, a reincidência mencionada nesse parágrafo não precisa ser específica.
Essa possibilidade de redução de pena busca equilibrar a punição com a análise das circunstâncias do réu, permitindo uma abordagem mais flexível, mas ainda dentro do rigor da lei. Além disso, a aplicação dessa redução é criteriosa, pois os requisitos devem ser atendidos cumulativamente. O entendimento jurídico é de que a redução de pena se aplica apenas a casos em que a culpabilidade do réu seja menor e, portanto, o envolvimento com o crime seja menos grave.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC nº 118.533, julgado em 16/09/2016), o tráfico de entorpecentes privilegiado não se compatibiliza com a classificação de crime hediondo prevista no caput e no § 1º do artigo 33 da Lei de Drogas. O STF entende que o tratamento penal do delito cometido sob o privilégio é mais brando, refletindo a menor gravidade do envolvimento ocasional do agente com o crime. O Tribunal entendeu que seria ilegal aplicar ao tráfico privilegiado as mesmas penas rigorosas da Lei nº 8.072/1990, que trata dos crimes hediondos.
Reforçando essa posição, o legislador, por meio da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), fez constar na Lei de Execuções Penais (LEP) a determinação de que o tráfico de entorpecentes privilegiado, previsto no § 4º do artigo 33, não deve ser considerado como hediondo nem equiparado a crime hediondo.
>Art. 112, § 5º – Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Execuções Penais).
Aspectos polêmicos e interpretação jurisprudencial
O artigo 33 é frequentemente debatido na doutrina e na jurisprudência, especialmente em relação à distinção entre o tráfico de drogas e o uso pessoal (âmbito do artigo 28). Fatores como quantidade de droga apreendida, condições de armazenamento e circunstâncias do flagrante são avaliados para definir a tipificação da conduta.
Além disso, a aplicação do § 4º, que permite a redução de pena, é alvo de análises criteriosas, considerando-se a situação do réu e a existência de elementos que demonstrem sua vinculação a organizações criminosas.
Você sabia que a jurisprudência sobre o artigo 33 da Lei de Drogas está em constante evolução? A Lawdeck oferece acesso a jurisprudências atualizadas, ajudando você a entender como os tribunais têm interpretado e aplicado as normas relacionadas ao tráfico de drogas. Acesse agora e confira!
Conclusão
O artigo 33 da Lei de Drogas desempenha um papel crucial na repressão ao tráfico de entorpecentes no Brasil. Sua redação abrangente permite a punição de diversas condutas relacionadas ao tráfico, ao mesmo tempo que estabelece distinções importantes para casos de menor gravidade. Apesar de sua relevância, o dispositivo também suscita debates sobre proporcionalidade das penas e efetividade no combate ao tráfico.
Para operadores do direito, é essencial compreender as nuances do artigo 33, aplicando-o de maneira justa e coerente com os princípios constitucionais e as especificidades de cada caso concreto.
Esse artigo de lei é um dos piores se confrontado com a legislação comparada.
Com esse artigo de lei, prende-se. Mal.