Benefício não isonômico para as entidades religiosas

Colunista do Diário o Rio fala sobre como a Reforma Tributária atende o interesse das entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
Nave principal da Igreja da Imaculada Conceição, Praia de Botafogo Arquivo Paroquia

Nos últimos dias, vimos, na mídia, a informação de que o pastor evangélico Silas Malafaia, em nome da Associação Vitória em Cristo, que faz parte de seu grupo religioso, iria alugar um trio elétrico para o ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que tem como justificativa a “defesa” de Bolsonaro diante das investigações sobre a possível participação dele na articulação de um golpe de Estado.

Além dessa despesa, aquela entidade religiosa precisaria arcar também com o aluguel de grades e com a compra de água para as pessoas que compareceriam ao ato.

Felizmente, a reação da sociedade àquele apoio monetário por parte de uma entidade religiosa foi forte o bastante para obrigar aquele líder religioso a abortar aquela proposta e informar que ele mesmo é que pagará aquela despesa com próprio bolso.

Essa notícia me fez vir à mente o tratamento nada isonômico aprovado pelos senhores Senadores e Deputados Federais na Emenda Constitucional da Reforma Tributária, visando a beneficiar as entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes. Estas têm agora um benefício tributário melhor do que o benefício das organizações assistenciais e beneficentes leigas.

Lamentavelmente, a monstruosidade da chamada Reforma Tributária, que estabelece um Manicômio Tributário e acaba com o Federalismo, em nosso país, graças aos nossos parlamentares federais que a aprovaram, só preocupados com “likes” no Tik Tok, modificou de forma não isonômica a lista dos que são beneficiados com a Imunidade Tributária.

A expressão Imunidade Tributária refere-se a limitações, impostas pela Constituição, ao poder de tributação dos entes públicos.

O art. 150 da Constituição Federal, antes da Emenda Constitucional – EC nº 132, de 2023 – Reforma Tributária, estabelecia o seguinte:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI – instituir impostos sobre:

(…)

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”

(…)

§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”

Aquela EC modificou o texto da alínea b daquele inciso VI que passou a ser o seguinte:

“b) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes;”

Assim sendo:

1) a Imunidade Tributária foi estabelecida não mais somente para templos de qualquer culto, como ocorria há anos;

2) a poderosa bancada evangélica no legislativo federal conseguiu impor que a Imunidade Tributária também atingisse as entidades religiosas, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes. Ou seja, estas entidades religiosas não mais pagarão impostos.

3) mas, para ver o absurdo dessa mudança constitucional promovida pelos senhores Senadores e Deputados Federais, vale ressaltar que as instituições de assistência social sem fins lucrativos, inclusive as religiosas, já tinham há anos direito à Imunidade Tributária, desde que atendidos os requisitos da lei, conforme podemos ver acima no final da alínea c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal.

Estes requisitos, para ter direito à Imunidade Tributária, estão estabelecidos no Código Tributário Nacional – CTN nos dispositivos abaixo:

“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

IV – cobrar imposto sobre:

(…)

c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 2001)

(…)

§ 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

(…)

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”

Veja só a maldade perpetuada pelos senhores Senadores e Deputados Federais.

Ao incluir a expressão “entidades religiosas, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes”, na alínea b do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, aqueles parlamentares retiraram o atendimento por parte daquelas entidades dos três requisitos do art. 14 do CTN, para elas terem direito à Imunidade Tributária, embora a exigência do cumprimento daqueles três requisitos continue a existir para as entidades de assistência social não religiosas.

Inacreditável.

Graças aos atuais parlamentares federais, as entidades religiosas de assistência social, para terem direito à Imunidade Tributária, não terão mais que atender as obrigações de:

1) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

2) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

3) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Mas as entidades não religiosas do mesmo tipo devem continuar a atender aqueles requisitos para terem direito à Imunidade Tributária.

Para entender o porquê de a bancada evangélica ter promovido a alteração acima relatada, vale lembrar que, em maio de 2019, a Associação Vitória em Cristo, do grupo do pastor evangélico Silas Malafaia, foi condenada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal a pagar uma multa de R$ 25,4 milhões referente a tributos de 2010, ano em que teve a Imunidade suspensa. Na decisão, os conselheiros citaram que a Imunidade Tributária foi retirada naquele período porque a entidade infringiu as regras que impedem as instituições de remunerar dirigentes e que exigem a aplicação integral dos recursos na manutenção de objetivos sociais.

Agora, esse tipo de suspensão não mais ocorrerá para as entidades religiosas.

Ora, sem aqueles requisitos, graças aos atuais parlamentares federais, as entidades religiosas, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes, não terão mais o direito à Imunidade Tributária suspenso mesmo que distribuam qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; que não apliquem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e não mantenham escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Mas, se a entidade de assistência social não for religiosa, ela terá que cumprir aqueles três requisitos…

Assim sendo, agora, o Pastor Malafaia e outros líderes religiosos vão poder aplicar no que bem entenderem e até fora do Brasil os recursos oriundos dos dízimos que arrecadam, sem medo de terem suas Imunidades Tributárias suspensas.

É por causa de benefícios não isonômicos como o acima relatado que muitos acreditam que nosso país estaria se encaminhando para se tornar algo semelhante uma teocracia.

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp Benefício não isonômico para as entidades religiosas

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito preocupante tudo isso que vemos de avanço dos grupos religiosos na política, de início aumentando as bancadas, e logo se uniram para o estabelecimento de ensino de religião (na modalidade confessional e ministrado por pessoas certificadas pelas próprias entidades religiosas), mais recente lutando por pautas morais e, claro, em serem beneficiadas nos tributos.

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui