Bia Willcox: A Vida em Quarentena como ela é – Episódio 7

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Foto: Reprodução Internet

Era sábado.

E Joana relembrava sábados melhores – desconfinados e despreocupados.

Os dias de semana e de final de semana se misturam nessa quarentena interminável e em todos, sem exceção, há presença de medo, angústia, indefinição, desesperança. Difícil pensar num futuro pra você e sua família quando não se sabe bem o futuro do planeta.

E o tempo passa.

O tempo, esse eterno rei dos truques e das brincadeiras de mau gosto.

Era cedo e as crianças dormiam.

Joana foi fazer o café e atrás dela foi Fábio, que decidiu contar-lhe toda a história de como conheceu Luiza.

– Então, Jô. Lembra janeiro, quando precisamos demitir quase um departamento inteiro da empresa? Isso correu no mercado. Muita gente ficou sabendo e mandando currículos. Headhunters entrando em contato e gente de outras instituições querendo trocar de emprego. A Luiza chegou a mim por um colega de faculdade, o Jorge. Ele sabia do que tava havendo na empresa e disse a ela que me procurasse. Ela me adicionou no Linkedin e mandou mensagem. Até aqui, ok? Faz sentido pra você?

– E pra você, Fábio? Faz

– Eu juro que tô te contando exatamente o que houve. 

– Ela te pediu emprego e tirou a roupa? Foi assim o processo de seleção

– Jô, eu não brincaria com meu trabalho e reputação. Ela não tá na empresa, inclusive. – Olha… é tipo loura burra? Por que você não contrataria uma hottie dessas? A rainha da lingerie…

– Jô, entendo a sua raiva. Mas entendi que contando tudo a gente podia tentar se entender. E você poderia voltar a me olhar nos olhos e, que, sabe um dia, voltar a confiar em mim. Meu sentimento não mudou…

Jô largou colher, prato, xícara na bancada com força e alterou a voz  pra valer:

– Vem cá. Nada mudou em que? Vivemos um pesadelo há meses! O mundo vive! Éramos um bloco, um ninho, um time tentando sobreviver com uma enormidade de desafios e obstáculos não tão simples de se transpor. Não dá tempo nem de pensar, é respirar e viver no automático pra não pirar. No meio do caos e do futuro incerto, você achou um brinquedinho pra se divertir. Ou se apaixonou perdidamente e se tornou algo incontrolável. Mas na vida merda que estamos levando, por mais que tenhamos ótimos condições perto de muitos, devemos um ao outro compartilhar nossas pequenas alegrias e não viver alegrias individuais, escondidas, egoístas. A traição numa quarentena não é aquela básica e secular, ela é mais profunda, mais doída, mais cruel: você ta sendo feliz sem mim. Você tá deixando a sua família na angústia da pandemia pra relaxar sozinha, sem compartilhar ao menos a fórmula. Talvez isso esteja me doendo mais. Minha libido em baixa, minha ansiedade em alta, remédio pra dormir, pra sobreviver. Por que você não me sugeriu igual diversão? Poderia ter procurado alguém na internet pra ter momentos como os seus.

– Pirou? Somos uma família normal. Isso aqui ainda é um ninho de amor, não é bundalelê! Jamais faria isso. Aconteceu, Jô. Eu me deixei levar. Fui babaca. Mas nunca encostei nessa mulher. Que tal dimensionarmos isso melhor? Não conheço ela pessoalmente. 

– Jura que é tão diferente assim? Se você chegar no meu quarto e estiver seduzindo um cara por vídeo e falando putaria, você vai se indignar menos porque é só virtual? 

– Nossa, nem consigo imaginar você fazendo isso… sério.

– No fundo, Fábio, as raízes de sua criação são absolutamente machistas. Você pode tentar e até se vender como um cara aberto, mas é tosco nessa mentalidade retrógrada de “minha mulher eu nem imagino, mas já a minha amante”…

– Jô, eu não disse que não imagino você fazendo isso comigo. Eu disse que nao imagino você fazendo isso com outra pessoa. Sempre vi você comigo. A gente transando e dançando e bebendo e rindo juntos. Não me pinte um monstro pior. Não sou tão horrível assim. 

– E ai? Não vai acabar de contar seu romance?

– Joana meu amor, romance eu tive e tenho com você. Com ela foi uma carência qualquer de confinamento. Como você disse, nossa vida tá ruim e eu não fui maduro o suficiente. Fui…

– Você é cínico pagando de maduro e arrependido. Sabe que nao compro. Você não tá arrependido. Só deu mole e não queria ter dado. Fez putaria em vídeo  de porta encostada. Amador!

– Joana, quer saber, você não quer saber de mais nada, quer me agredir. Só me agredir.

– Fábio, não sei se quero. Mas me deixa imaginar, talvez me faça bem…Me sacuda! Eu tenho uma proposta para salvar a gente. Você quer salvar a gente, Fábio? 

– Sim, amor. É o que eu mais quero. Vamos acabar com esse pesadelo.

– Então, eis a minha proposta. Vive aí o seu web namoro ou web putaria com a Luiza e eu vou viver o mesmo. Quero empatar o jogo. Só uma uma maneira de conseguir viver com você e zerarmos pra recomeçar. Quero sentir o que você sentiu. Quero sentir esse fogo, essa coisa diferente…

Fábio deu um soco na mesa saiu da cozinha. 

– Tá a fim de me enlouquecer né? Não pode agir como uma mulher normal que um dia sofreu uma traição boba, não?

– Oi? Você tá se referindo à sua mãe ou à sua avó? Querido, os tempos mudaram. Não há mais normal nem no nosso dia-a-dia que dirá em protocolos de casamento. Você deve estar de sacanagem! Mulher traída e conformada é o seu normal, Fábio?? Vai à merda!

– Desculpa, vai… O teto ficou preto. Tenho ciúme de você. Pensar já é ruim.

– Jura? Pois aguenta firme pois só vejo essa saída. É pegar ou largar. Afinal, ninguém aqui vai ter contato físico com terceiros. É só uma brincadeira virtual, quase um game! Seja generoso e aceite que outras pessoas se sintam tão felizes quanto você se sente com a Luiza.

– Tô me sentindo um merda. Você tá tentando me humilhar.

– Joana foi até ele, encostou seu braço no dele, ambos apoiados na grade da varanda, e sussurrou:

– Amor, eu juro que quero que isso tudo passe. Você pode não acreditar, mas estou sendo honesta e leal a você. Estou propondo algo aberto, transparente e justo. Você precisa entender que eu faria isso de qualquer maneira. E possivelmente não daria o mole que você deu. E como tantas outras pessoas, esconderia isso pra sempre.

– Mas onde evoluímos enquanto casal e sobretudo enquanto seres humanos? Isso pode mudar a gente de fase nesse casamento. E isso é saudável.

– Mas, Jô. Tá na cara que isso não vai dar certo. E se você se apegar ao cara? E se você se apaixonar por um avatar em vídeo?

– Ué, Fabio, você tá no mesmo risco. Eu nem sei o quão apegado à Luiza você está. E nem se está apaixonado por ela. Você não diria. Mas nessa quarentena desgraçada que nos traz tanta dor, precisamos nos dar isso, essa experiência. A hora que achar os que já foi o suficiente, a gente para. Ou, se separa haha. Não vejo outro caminho. Sei que estamos arriscando, mas você já estava se arriscando antes e sem qualquer ética de me deixar saber. O que quero e estar em pé de igualdade e viver o mesmo prazer. Bora?

– Jô, eu to ferido. Destrocado.  Eu pai ta no hospital. Eu sei que isso não vai funcionar. É tudo vergonhoso. Mas não tenho muitas opções aqui. Vou passar um tempo com mamãe pra garantir que não vou ver nada.

– Você que sabe. Jamais te exporia a nada. Não acho certo e espero que você não tenha feito isso comigo. Ou a Luiza sabe a cor das minhas calcinhas?

– Não, Luiza. Não falei  nem seu nome pra ela…Bem, vou esperar as crianças acordarem, brinco com eles e parto pra casa da mamãe. Espero que se divirta com suas sacanagens.

– Tanto quanto você. Ou mais. Direitos iguais. Felicidade compartilhada. Relação com abertura e honestidade. 

– Beleza. Não vou discutir com você. Voce ta obcecada pra se vingar, empatar o jogo. Cresce!

– Olha, o maduro das lives no escritório me chamou de imatura. Que triste!

Em torno de meio-dia, Fábio de despediu de todos e foi pra casa da mãe. Não encostou em Joana, como se Joana tivesse uma doença altamente contagiosa.

Joana viu um desenho com as crianças, preparou o almoço deles e, quando eles se ocuparam com Legos, ela resolveu chamar sua amiga fiel, a Márcia.

-Marcinha, tá ai?

-Oi, sumida! Tã tudo bem? 

-Não tá muito, não. Mas não quero me queixar, quero te dizer que fiz um acordo com Fábio que vai me ajudar a esquecer tudo isso de loura da loura lingerie, superar para ficarmos juntos.

-Conta amiga, que acordo mágico foi esse?

-Relacionamento temporariamente aberto. Eu também vou ter flerte e quiçá um webnamorado !

 – Você e Fábio? Fáaabio?? Du-vi-do! Fábio não vai ficar cool, não. Ele vai pirar. Ele é muito careta pra isso.

-Marcia, é tudo virtual! Nada físico.

– Hmmmm. Veremos. E ai, vai brincar com o coleguinha de escola?

– Não sei ainda… de noite vejo isso.

– Mas, sim, pensei nele logo.

-Sabiiiia. Quero saber de tudo.

– ok, amiga. Contar-lhe-ei  haha.

– Tá feliz?

– Tô. Apesar de toda a tristeza do Jaime, das mortes por covid, do confinamento, eu me sinto bem. Animada com o novo.


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