Caos nos cemitérios do Rio: advogada tenta vender jazigo da família e descobre que desconhecidos foram enterrados lá

Caso aconteceu no Cemitério São João Batista, em Botafogo; último sepultamento reconhecido pela família teria acontecido em 1983; mortos não autorizados foram enterrados em 2009 e 2023

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Fachada do Cemitério São João Batista, em Botafogo
Fachada do Cemitério São João Batista, em Botafogo - Foto: Reprodução/Google Maps

Ao preparar o jazigo da família para venda, a advogada Mônica Souto Fonseca foi surpreendida pela notícia desagradável de que não poderia fazê-lo, pois duas pessoas desconhecidas haviam sido sepultadas no túmulo, que fica no Cemitério São João Batista, em Botafogo, Zona Sul carioca, administrado pela concessionária Rio Pax.

Segundo o jornal ”O Globo”, o último enterro reconhecido pela família de Mônica teria acontecido em 1983. Os outros dois sepultamentos não autorizados pela família são mais recentes e teriam acontecido em 2009 e 2023.

Indignada com o absurdo da situação, a advogada acionou a Justiça para poder transacionar o bem da familiar, que já havia sido totalmente limpo e organizado para a venda.

A 11ª Câmara de Direito Privado do Rio de Janeiro, por intermédio do desembargador João Batista Damasceno, condenou a Rio Pax a liberar o jazigo perpétuo de número 573, quadra 6, sem prejuízos para advogada, cabendo à administração do São João Batista contatar os parentes dos dois outros mortos para fazer a exumação dos seus restos mortais. A Justiça determinou o prazo de 120 dias para que Mônica Souto Fonseca possa vender o jazigo.

Em caso de descumprimento da medida judicial, a concessionaria deverá comprar o jazigo pelo seu valor venal de R$ 185.777.59. A Justiça determinou ainda que a Rio Pax terá de pagar R$ 3 mil à advogada por danos morais em razão dos transtornos causados.

Apesar de muito absurda, essa não é a única trapalhada nos cemitérios do Rio de Janeiro depois do apeamento da Santa da Casa de Misericórdia da administração das necrópoles da cidade. Em 9 fevereiro deste ano, o DIÁRIO DO RIO noticiou que, no Cemitério do Caju, na Zona Portuária, foi perpretada uma verdadeira chacina do patrimônio histórico da cidade, com a destruição de todos os vasos em mármore dos túmulos e, mausoléus locais, desconsiderando a época que os objetos foram confeccionados. Na ocasião, a medida foi tomada para supostamente evitar a proliferação do mosquito transmissor da doença, o Aedes Aegypti. Algo que poderia ser sido feito apenas adicionado areia aos vasos inclementemente destruídos.

Na ocasião, Marconi Andrade, da SOS Patrimônio, afirmou indignado: “Isto é uma insanidade absurda. Estes vasos são trabalhos de artesanato de valor inestimável. Tanto que em cemitérios paulistas viviam sendo roubados até mesmo por celebridades. Isso é um absurdo, estou perplexo”.

A barbarie contra os vazos de marmore do Cemiterio do Caju Caos nos cemitérios do Rio: advogada tenta vender jazigo da família e descobre que desconhecidos foram enterrados lá
A barbárie contra os vasos de mármore no Cemitério do Caju

Assim como no caso da advogada Mônica Souto Fonseca, o desrespeito às famílias e aos seus mortos parecem ser uma prática assombrosamente recorrente nas atuais administrações dos cemitérios da cidade. Nos dois casos, o desrespeito e os prejuízos são patentes. O caso de Mônica, até o momento, teve um desfecho favorável. O mesmo não podemos dizer sobre os donos dos jazigos do cemitério do Caju, que tiveram que arcar com o prejuízo financeiro e memorial com a destruição dos históricos jarros de mármore.

O valor da arte cemiterial do Rio de Janeiro é simplesmente inestimável, como repercutiu na época o ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Manoel Vieira:

“É inacreditável. Há partes desse conjunto cemiterial que possuem quase 200 anos. Em 1839, por razões higienistas, houve a transferência do cemitério do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia, que era localizado em área lateral à Igreja de Bonsucesso, no Largo da Misericórdia (Centro do Rio), para a Ponta do Caju. Era onde os escravizados eram sepultados. Em 18 de outubro de 1851, foi inaugurada a necrópole de São Francisco Xavier, com o sepultamento da criança Vitória, filha de uma escravizada. A Santa Casa detinha a concessão dos serviços funerários pelo Governo Imperial desde a criação do Cemitério e não me lembro de nada parecido a isso ocorrer. Há cerca de dez anos está com outra gestão e os adornos da necrópole que ajudam a contar a história da arte e da cidade agora foram destruídos. Niterói reduziu em 70% os casos de dengue com tecnologia 100% nacional (FIOCRUZ) e sem destruir nada. É uma barbaridade enorme e o combate à dengue de forma alguma justifica um ato de tamanha ignorância”.

O que está acontecendo nos cemitérios da cidade beira o inominável. Em junho do ano passado, o jornal O DIA repercutiu a ação da Prefeitura do Rio para demolir uma lanchonete que foi erguida entre os túmulos no São João Batista. A estrutura contava com oito metros de frente e ficava quase encostada a uma fileira de jazigos. A obra, que não tinha autorização da Prefeitura, também incorreu em dano ambiental porque houve a poda de uma árvore, também sem licença.

Na ocasião, o advogado e presidente da Associação de Moradores de Botafogo, André Decourt, disse perplexo ao veículo: “Imagina se alguém fizesse uma atrocidade dessa em Buenos Aires, em Paris, que têm cemitérios como atração turística? A concessionária não entende o que gerencia ali. Além do respeito às personalidades e pessoas comuns enterradas, o São João Batista tem valor artístico. É um diamante bruto. Em vez de lapidar, fizeram esse puxadinho”.

Em sua conta no X (antigo Twitter), o prefeito Eduardo Paes (PSD) afirmou que o empreendimento teria que ser demolido em 48h (o que foi feito), e em caso de descumprimento levaria “multa pesada”. Sobre a construção ele escreveu: “É uma mistura de desrespeito, burrice, mal gosto com falta de civilidade e empatia”.

Na ocasião, o jornal O DIA procurou a Rio Pax que não teria retornado até a publicação da matéria.

Com informações: Diário do Rio, O Globo e O DIA

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4 COMENTÁRIOS

  1. Essa tal RIO PAX através de uma Concessão está cometendo uma série de arbitrariedades e muito descaso aos proprietários de jazigos no Rio de Janeiro, urge o aprofundamento de mais matérias como essa para que se tenha uma real noção do que acontece e uma maior fiscalização do Poder Concedente para sanar muitos absurdos que estão a ocorrer. Coordenadoria de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários. Aonde estão vocês…. Fiscalização neles….

  2. Eu como uma pessoa, que nao possui plano funeral, nem mesmo Jazigo, tenho uma preocupacao muito grande em relacao aos mortos da minha familia e ate mesmo eu, quando morrer. No entanto, vejo que planos funerais ou JAZIGOS, nao isentam nenhuma pessoa de um eventual problema causados por essa ma gestao de Cemiterios no Rio de Janeiro.

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