Centro Dom Vital: Cecília Meireles, o monge e as orquídeas

O Clérigo Eduardo Silva comenta sobre a amizade entre Cecília Meireles e o monge beneditino e intelectual D. Marcos Barbosa e do poema Três Orquídeas

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Enquanto vai declinando 2024, e 2025 vai surgindo no horizonte, os sentimentos de renovação e recomeço vão também tomando conta dos corações, num ritual anual de encerramento de um ciclo para se começar outro. E é bem humano que seja assim. Como diria Cecília Meireles, “a vida só é possível reinventada.” Aliás, 2024 foi um ano importante para a memória desta que foi uma das maiores poetas de nossa literatura, pois celebramos os 60 anos de seu falecimento, ocorrido em 9 de novembro de 1964.

Cecília foi dessas figuras que desde a juventude mostrou logo a que veio. Com apenas 9 anos, recebeu na escola uma medalha de ouro pelo bom desempenho das mãos de ninguém menos que Olavo Bilac. Aos dezesseis anos já era professora formada pela Escola Normal. Em 1919 publicou seu primeiro livro, Espectros. Daí em diante, trouxe para o modernismo brasileiro a sua inconfundível poesia simbolista, tornando-se, nas palavras de Alceu Amoroso Lima, “a maior figura feminina da poesia continental.” Acometida por um câncer no estômago desde 1962, nem a doença diminuirá seu vigor poético. E foi justamente pouco antes de morrer em novembro de 1964, que ela escreveu o seu último poema, Três orquídeias, internada no Hospital dos Servidores, no Rio de Janeiro. O que muitos ignoram é que esse poema foi dedicado a um grande amigo seu, o também poeta e monge beneditino D. Marcos Barbosa

Dom Marcos Barbosa Centro Dom Vital: Cecília Meireles, o monge e as orquídeas
O monge beneditino e imortal da Academia Brasileira de Letras, D. Marcos Barbosa (1915-1997)

D. Marcos é também um capítulo à parte em nossa literatura. Mineiro, veio para o Rio de Janeiro onde estudou na Faculdade Nacional de Direito, conhecendo ali o crítico literário Alceu Amoroso Lima, de quem se tornou secretário, aproximando-se do grupo de estudantes e intelectuais do Centro Dom Vital. Encontrando a vocação monástica, ingressou no Mosteiro de São Bento do Rio em 1940, ordenado sacerdote em 1946. A partir de então, uniu à vocação monástica a vocação de poeta, dramaturgo e tradutor. Em 1946 publica Teatro, uma coletânea de autos com prefácio de Gustavo Corção. Seu mais importante livro de poesia é Poemas do Reino de Deus, cuja primeira edição é de 1961. E sua tradução mais famosa é sem dúvida alguma O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, tradução hoje na 49ª edição. Em 1980, D. Marcos Barbosa foi eleito para a cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras. Muitos ainda se recordam de sua voz mansa, diariamente transmitida na rádio JB em seu programa Encontro Marcado, e de seus poemas tão celebres: “Varredor que varres a rua/ tu varres o Reino de Deus.

Certo dia, indo o monge beneditino visitar Cecília Meireles, lembrou-se de colher algumas orquídeas do jardim do secular mosteiro carioca. Dessa gentil visita e das gentis flores, a poeta só pode tirar poesia. Ainda hoje se conserva na Biblioteca Nacional o manuscrito desse último poema, onde ao lado do título se lê: “para D. Marcos.”

Poema manuscrito de Cecilia Meirelles Centro Dom Vital: Cecília Meireles, o monge e as orquídeas
Manuscrito do último poema de Cecília Meireles, dedicado ao monge beneditino D. Marcos Barbosa

Três Orquídeas

As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, todas de pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.

Que dia? que dia? dói-me a sua brevidade.
Ah! não veem o mundo. Ah! não me veem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o eterno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.

Se elas não veem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E paira sobre elas a gentileza igualmente frágil,
a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Que sigamos como Cecília, ou como D. Marcos, buscando neste novo ano de 2025 tornar o efêmero dos dias de nossa vida em sinais de eternidade.  

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