Nestes primeiros dias de 2022, observo o quão desatento este país pode ser com os seus gigantes, exceto os do futebol. Governos se esquivam em reverenciá-los, homens e mulheres que colocam o Brasil no radar do mundo, gênios da literatura, da música, das artes múltiplas que esta terra fez germinar e o tempo potencializou-lhes a frutificar em todos os continentes.
A exemplo do luto oficial negado ao discreto pianista Nelson Freire, quando o mundo lamentou o cerrar do dedilhar romântico e apaixonado. Ainda no ano que parecia não ter fim, despediu-se de uma das maiores escritoras brasileiras vivas, a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, isso no ano do seu centenário – imaginem o marco histórico – em especial por tratar-se de uma casa cuja fundação se deu sob as égides do patriarcado. Pois bem, nos últimos dias do fatídico 2021, coube a Espanha mais uma vez reverenciá-la, através do Instituto Cervantes que abriu o seu imponente porta cofres para receber o legado da grande dama das letras em língua portuguesa, a autora brasileira Nélida Piñon, que em cerimônia depositou-o em La Caja de las letras, uma espécie de cápsula do tempo que só será reaberta daqui a 100 anos. Com o seu legado, a cápsula ganha uma profundidade ibero-americana.
Penso que as vezes o universo não é justo, inclusive ao repartir intelectos, Nélida é uma pessoa com muitas inteligências, ciente da sua importância, porém vigilante e intransigente com a arrogância que nunca granjeou seduzi-la. Talvez o rechaçar dos sábios faça com que esta certeza absoluta de superioridade seja a parte que toca ao Brasil, que nega o próprio Brasil.
Não podemos nos furtar em reverenciar as nossas origens, pois esta resistência não apaga em nada os aspectos que surgem adiante, e que constroem a nossa imagem e a nossa história presente; e a poética está aí, em irmos aonde nunca se esteve.
O grande crime do Brasil está em furtar a educação, um sepultar constante dos saberes que pulsam. É esta educação que emancipa o povo. Libertem-nos pelo amor de Deus! Só assim alcançaremos o Olimpo com o qual tantas gerações sonharam.
Como bem constatou Machado de Assis há um século, “no Brasil existem dois países diferentes, o país oficial e o país real. O país real é bom, revela os melhores instintos, mas o país oficial é caricato e burlesco”. Diante de tantos equívocos e faltas recorrentes, devemos nos manter movidos por uma justa indignação.
Quem sabe daqui a 100 anos este país tenha um Cristo que faça como o das escrituras, ordene que se retire a pedra do túmulo da incultura, da insciência e possibilite a esta nação ressuscitar sonhos mortos.
Que artigo magnífico. Sedutor, elegante e ainda sim combativo.
Parabéns!
O que afunda o Brasil nos dias de hoje é o conservadorismo brega militar neoliberal e neopentecostal