Chico Alencar: ‘Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma nação’

Nesta quarta-feira, dia 1º de março, o Rio de Janeiro completou 458 anos – jornada que começou em uma paliçada espremida entre os morros do Pão de Açúcar e o Cara de Cão

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Vista de parte da Zona Sul do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação/ Prefeitura do Rio

Nesta quarta-feira, dia 1º de março, o Rio de Janeiro completou 458 anos – jornada que começou em uma paliçada espremida entre os morros do Pão de Açúcar e o Cara de Cão.

Seu primeiro núcleo urbano foi o morro do Castelo, hoje inexistente, derrubado por jatos d’água em 1921, a pretexto da “modernização” da cidade. O morro, argumentava-se, seria um empecilho ao crescimento urbano e ao combate às epidemias, já que dificultaria a circulação de ar e manteria os miasmas – emanações a que se atribuía a contaminação de doenças infecciosas e epidêmicas. Hoje, como lembrança do passado, restou apenas um pequeno trecho no sopé da ladeira da Misericórdia.

Em nome da modernidade, da especulação imobiliária e das supostas transformações que exigiam uma fisionomia mais “atual”, o Morro do Castelo foi demolido sem qualquer pudor, em um processo que, na opinião do arquiteto Lucio Costa, foi feito com extremo desprezo e sem cuidado, jogando literalmente por água abaixo muito do valor histórico, arquitetônico e afetivo da cidade. O morro não resistiu porque, na ocasião, os habitantes de suas encostas eram pobres, cujas vozes repercutiam pouco nos salões e tribunas dos poderosos.

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Processo semelhante já havia ocorrido em 1905, por ocasião do “Bota-abaixo” de Pereira Passos – conjunto de reformas urbanas que visavam transformar o Rio na “Paris dos trópicos”. Abriu-se a Avenida Central (hoje Rio Branco), demoliu-se centenas de cortiços e os pobres e trabalhadores menos favorecidos que os habitavam – negros, nordestinos, imigrantes latinos – sem qualquer ajuda do poder público tiveram que migrar para os subúrbios, ou ocupar os morros da cidade. Assim surgiram as primeiras favelas da cidade.

A história do Rio é feita de ferro, fogo e exclusão. Sua ocupação é formada de várias camadas civilizatórias, que se sobrepõem umas às outras, às vezes sem deixar qualquer vestígio dos que passaram antes por aqui e ajudaram a forjar o que somos hoje, como os tupinambás e os temiminós, habitantes originários dessas terras.

Essa é a história de nossa cidade, um maravilhoso pedaço do planeta, reconhecido pela UNESCO como “Paisagem Cultural da Humanidade”, mas que carece de uma ocupação mais justa, fraterna e harmoniosa com a natureza. Uma bela moldura para uma humanidade que precisa ser resgatada em seus valores de civilidade, generosidade, fraternidade e solidariedade.

As autoridades públicas, os parlamentares, o Executivo e o Judiciário, têm que ajudar o Rio a superar as suas mazelas, para que não seja apenas essa bela imagem de cartão postal, mas também um lugar adequado e bom para se viver. Esse é um desafio não apenas do carioca, mas de todo o Brasil, pois o Rio tem vocação federal, nacional e planetária.

É reconhecendo as dores profundas da cidade e de sua gente maravilhosa que conseguiremos dar a volta por cima, apesar da “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como ensinou Caetano Veloso. O Rio sobrevive e vai além, sambando, cantando, batucando, produzindo uma cultura singular e poderosa, um modo de viver que resiste aos desencantos e impõe sua beleza.

A despeito do abandono, da desigualdade, da destruição, o Rio vai seguir em frente. Como tão bem traduz a canção de Moacyr Luz e Aldir Blanc: “Brasil/Tira as flechas do peito do meu padroeiro/Que são Sebastião do Rio de Janeiro/Ainda pode se salvar”.

Viva o Rio de Janeiro!

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1 COMENTÁRIO

  1. Belo comentário, Deputado Chico Alencar, que vem ao encontro do pensamento de outros cariocas como eu. E, aproveitando o seu espírito romântico, porém realista e finalmente esperançoso, lembro-lhe de aproveitar o máximo que puder os próximos quatro anos de seu mandato parlamentar, em Brasília, e lute por fazer acabar o que dói mais à população desse nosso Rio de Janeiro. No entanto, mais do que as perdas arquitetônicas e históricas, importantes sem dúvida alguma, são a perda de seu presente a cada dia, nas filas dos HOSPITAIS FEDERAIS sediados aqui, e que andam devendo muita qualidade em seu serviço. Perdem também seu tempo e nervos numa rede de transportes equivocada e anacrônica baseada em ônibus e vans enquanto o sistema do METRÔ do RIO segue muito aquém do necessário, onde com apenas 2(duas) linhas parcialmente implantadas carece de sua expansão lógica e devida conforme o seu projeto original de 6(seis) linhas, que segue guardado numa gaveta de alguém à espera de VERBAS FEDERAIS para virar a realidade tão sonhada pelos cariocas de todas as classes sociais. Fale, escreva, Deputado, e também LUTE PELO RIO DE JANEIRO, que sofre em cada trabalhador que se aperta num “busão” em seu dia a dia, como se estivesse pegando carona num caminhão de carga em vez de estar e ser usuário do transporte coletivo de gente como eu e o Senhor… Sucesso, Deputado, lhe desejo muito sucesso nesta sua gestão na Câmara Federal a representar o nosso Estado do Rio de Janeiro. Nós CARIOCAS PRECISAMOS!

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