Brás Cubas, o personagem que conta a sua vida depois de morte, é dos machadianos o mais emblemático. Amargo, mordaz, irônico, milionário, casmurro, representante acabado da elite branca de então, cujo sonho era se perpetuar com o nome de unguento. É desse mote que Moacir Chaves realiza o mais tocante espetáculo de 2023.
Ao juntar as duas pontas, o discurso de uma sociedade emperrada, escravista, excludente, a um genial espaço cênico multimídia, criado por Paulo César Medeiros, a que chamou Nave de Luz, absolutamente contemporâneo, Moacir Chaves vai além de uma encenação, de uma peça. Cria uma performance, com projeções, atuação, uma guitarra elétrica poderosa, a obra de arte completa, Gesamtkunstwerk.
Em o Menino é o pai do Homem, com um elenco afiadíssimo formado por Anderson Oli, Elisa Pinheiro, José Mauro Brant, Karen Coelho, Márcia Santos e Monica Biel. podemos ver o desenrolar da miséria de uma sociedade escravista e de um homem absolutamente criado dentro de um quadro de perversidade e que desenvolve relações amorosas desencontradas.
As projeções de anúncios de escravos pode parecer como pano de fundo, mas não o é. Alí está o tema, a denúncia, a tragédia da formação de um Brasil que é até hoje racista, violento, misógino, elitista. Ao mesmo tempo, faz-se do delírio de Quincas pré-morte uma passeio por lindas imagens secundadas pelo atores falando como poetas. Acerto absoluto.
A mobilidade das cenas avança, recua. mas segue a cronologia da peça que, com o brilhante recurso de atualização de valores, “tradução”dos termos, facilita toda a compreensão possível. A emblemática frase Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria que é a chave autobiográfica de Machado para marcar que a arte é o que nos salva. Assim, o Menino é o pai do homem nos deixa o legado da arte em estado puro.
Serviço
Sesc Copacabana
Quinta a domingo às 20:30