Doido. Maluco.Palerma. Zonzo. Tantã. Boboca. Descabeçado. Pancada. Desmiolado. Espinoteado. Zureta. Avoado. Alucinado. Delirante. Desvairado. Alucinado. Inconsequente. São muitos os termos para designar os portadores de doença mental. Todos condenatórios. Sem qualquer compaixão. A peça Uma Mulher ao Sol desafia e desfaz todos esses conceitos. Ao expor o fluxo de consciência da escritora Maura Lopes Cançado , que viveu em um verdadeiro entra e sai das instituições, Projeto Trajetórias (formado pelo diretor Ivan Sugahara e pela atriz Danielle Oliveira) constrói um bordado filigranado. Ouro e pedras das mais preciosas.
O primeiro acerto é ter a voz em off enquanto as duas atrizes – Daniela e Maria Augusta ,- com movimentos corporais que traduzem, literalmente o que se diz. A criação dos chamados significantes, imagens visuais para os termos simbólicos, faz que a direção e a organização dramatúrgica de Ivan só possa merecer uma palavra: estupenda. São mais de 40 pequenas cenas, todas diferentes, todas usando localização no palco diversa, dialogando com os objetos, com os figurinos e entre os dois corpos há absoluta sintonia.
A narrativa, apesar de descreverem os horrores das condições, não possuem qualquer palavra negativa, ódio. A voz é quase monocórdica, as palavras bem pronunciadas, com as inflexões leves. Enquanto isso, a expressão corporal de Daniela, dançarina e de Maria Augusta, mímica, recuperam o elemento cênico-dramatúrgico do corpo como interpretação e criação de significado.
É um encontro perfeito: um pas-de-deux de pessoas, mas que nos lembram duas bonecas com manipulação de um interventor, o diretor que de forma sensível é capaz de avançar em todas as formas de dizer. E a trilha é um capítulo fundamental. Com canções populares, músicas especialmente criadas, Uma Mulher ao Sol é para se ver algumas vezes. Exatamente como fazemos quando temos um quadro favorito, um livro de cabeceira, uma canção que repetimos. Essa é a maior função da obra de arte.
- Serviço:
- Teatro Poeirinha
- Quinta a sábado, às 21h
- Domingo, às 19h.