Como o Botafogo conquistou a China: a Torcida Xangai Fogo e o Nanking Football Club

Antonio Sá comenta sobre o livro "Como o Botafogo conquistou a China"

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Recentemente, recebi um presente fascinante da namorada do meu filho mais velho: o livro “Como o Botafogo conquistou a China”, escrito pelo designer carioca Bruno Porto. Lançado em 2014 pela Imã Editorial e reeditado em 2016, o livro relata como a maior torcida do mundo veste preto e branco e leva a estrela solitária no peito. Através desse livro, descobri a incrível história da Xangai Fogo, uma torcida organizada botafoguense que reúne milhões de chineses apaixonados pelo Glorioso, e do Nanking Football Club, um clube chinês dos anos 1930 com um uniforme surpreendentemente semelhante ao do Botafogo.

Bruno Porto viveu entre 2006 e 2012 em Xangai e, em suas palavras, sentiu-se “entrando no Engenhão em dia de jogo do Botafogo” ao se deparar com o simbolismo da estrela solitária em todos os cantos da cidade.

Aqui, vale um parêntesis. A China, ao contrário de União Soviética, não usou em sua bandeira a foice e o martelo.

A estrela na bandeira da China simboliza unidade, harmonia e centralidade, valores que vão além de qualquer ideologia política. A grande estrela representa a liderança central, enquanto as quatro estrelas menores ao seu redor sugerem integração e cooperação entre diferentes grupos sociais do país. Representam as quatro classes sociais identificadas como as forças motoras da
Revolução Chinesa: trabalhadores; camponeses; pequena burguesia; e burguesia nacional. Esse design reflete um conceito de união nacional que combina tradição e modernidade.

Na cultura chinesa, as estrelas têm um significado profundo, frequentemente associadas à orientação, prosperidade e equilíbrio, conceitos centrais no confucionismo e em outras filosofias tradicionais.

Escolhida por sua simplicidade e impacto visual, a estrela transcende questões políticas e representa de forma universal a identidade nacional da China. Ela une sua herança cultural milenar a uma visão de progresso, tornando-se um símbolo reconhecido e respeitado globalmente.

A pesquisa de Bruno Porto, impulsionada pela descoberta da existência da estrela solitária em todos os cantos da cidade, revelou conexões entre a cultura chinesa, o Botafogo e até mesmo um marco histórico da era das navegações: o temido galeão São João Baptista.

A Xangai Fogo é um fenômeno que vai muito além do esporte. Formada em 2001, essa torcida organizada reúne milhões de chineses e tornou-se um marco não só para o Botafogo, mas também para o futebol global. Em 2009, a torcida já contava com 618 milhões de integrantes espalhados por mais de 300 cidades chinesas, sendo, sem dúvida, a maior torcida de um clube de futebol estrangeiro no mundo.

O que torna a Xangai Fogo tão única é sua composição, que reflete três gerações distintas:

  • Os pioneiros (1920-1940): Conheceram o Botafogo por meio de jornais da época e trouxeram a paixão pela estrela solitária para seus filhos e netos.
  • Os herdeiros (1950-1960): Filhos da geração anterior, cresceram ouvindo histórias sobre o Glorioso e herdaram a paixão pelos relatos familiares.
  • Os jovens digitais (pós-1980): A nova geração que conheceu o Botafogo por meio das redes sociais e da internet, com um estilo de vida moderno e cheio de energia, criando gírias próprias e popularizando a estrela em roupas e acessórios.

Essa mistura de gerações é o que dá à Xangai Fogo uma identidade única, ressoando com os valores chineses de respeito à família e aos mais velhos.

O nome “Botafogo” carrega uma história que atravessa oceanos e séculos. Durante o século XVI, o galeão português São João Baptista, conhecido como “Botafogo”, era um dos navios de guerra mais temidos do mundo. Com 366 canhões e uma capacidade de deslocamento de 1.000 toneladas, o Botafogo foi peça essencial na conquista de Tunis em 1535. A fama de seu poder de fogo chegou a provocar temor na China, especialmente na região de Quanzhou, onde circulavam histórias sobre possíveis ataques portugueses.

João Pereira de Souza Botafogo, um dos oficiais da tripulação do galeão, incorporou o apelido ao seu sobrenome como uma marca de honra. Mais tarde, ao adquirir terras próximas à enseada que hoje leva o nome Botafogo, no Rio de Janeiro, consolidou o nome na história. Esse legado foi herdado pelo clube de futebol que conhecemos, cujo nome e símbolo carregam essa história fascinante de força e impacto.

Essa associação histórica chegou até o século XX como um eco cultural na China, reforçando o impacto do nome “Botafogo” entre os torcedores da Xangai Fogo. Sam Moon, designer da torcida, brinca que o “bicho-papão” de sua infância — associado ao galeão português — tornou-se um símbolo de orgulho ao descobrir a conexão com o time de futebol brasileiro.

Em sua cidade natal, Botafogo era uma espécie de sinônimo de Bicho Papão. “Meus avós me diziam que o Botafogo iria sair do mar e me pegar se eu não me comportasse, se não comesse legumes, coisas assim”, explica.

“Minha avó me contou que sua avó lhe contava estas histórias, que por sua vez tinha escutado de seus tios, e assim por diante”.

Sam acabou por descobrir que no século 16 uma belicosa missão comercial portuguesa pilhara os moradores de Quanzhou, chegando a cometer assassinatos.

Em 1549, o implacável Imperador Jiajing deu ordem para que toda a comunidade portuguesa da região fosse exterminada.

Alguns poucos sobreviventes escaparam para ilhas próximas a Haojing – conhecida pelos portugueses como Macau.

Durante muito tempo, os habitantes de Quanzhou temeram que os portugueses retornassem para vingar o sangrento massacre impetrado em suas terras. Seu maior medo era serem atacados pelo que na época era tido como o mais poderoso navio de guerra do mundo: o galeão São João Baptista, conhecido como “Botafogo”.

O Nanking Football Club, fundado em Nanjing nos anos 1930, é outro ponto alto do livro de Bruno Porto. Este clube amador, pioneiro na integração de estrangeiros e chineses, tornou-se referência no futebol da época, adotando um uniforme listrado em preto e branco, inspirado no Notts County, da Inglaterra, e uma estrela branca como emblema.

Fundado por David Crow, um comerciante britânico, o clube era conhecido por sua diversidade, com jogadores britânicos, coreanos, franceses, portugueses e chineses. O Nanking Football Club se dissolveu em 1938, durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, deixando um legado que hoje conecta sua história ao Botafogo.

Um dos momentos marcantes na história da Xangai Fogo foi a criação de seu símbolo oficial em 2009, projetado por Sam Moon. Inspirado pela estética chinesa, ele transformou a Estrela Solitária do Botafogo em uma combinação de caracteres que representam “grande” e “fogo”, “Fogão” criando um elo cultural único entre o clube carioca e seus milhões de fãs na China.

Com números impressionantes, histórias diversificadas e uma conexão histórica que atravessa séculos, o Botafogo se consolida como um fenômeno global. Do Nanking Football Club à Xangai Fogo, passando pelo temido galeão Botafogo, o Glorioso construiu uma narrativa única, conectando diferentes culturas e gerações em torno da estrela solitária.

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