Na manhã desta terça-feira (22/12), o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) foi preso em ação de continuação da Operação Hades, que investigava o “QG da Propina” na Prefeitura do Rio. Entretanto, vale ressaltar que essa não é a primeira prisão de Crivella. O caso, divulgado pela revista Veja em 2016, teve como destaque fotos de identificação do prefeito em 1990. As fotos ficaram desaparecidas por 26 anos e não constavam nos arquivos da Polícia Civil, onde são guardados os conteúdos de qualquer investigação.
A acusação não envolvia política: Crivella foi fichado por recorrer à força para resolver a questão da posse de uma propriedade da Igreja, quando ele ainda era um pastor iniciante. Por conta disso, ele foi parar na delegacia e passou um dia preso em uma cela do Catete.
O caso
Em 2016, Crivella contou à Veja sobre o ocorrido. Em 1986, a Igreja Universal comprou imóveis no bairro de Laranjeiras. Parte do espaço, situada na Rua Senador Corrêa, foi reservada para a construção de um templo da Universal. Enquanto a obra não começava, Nilton Linhares virou vigia do local, onde ergueu um casebre com material cedido pela própria igreja e se instalou com a família. Quando a Universal quis o terreno de volta, Linhares reivindicou direito de posse e se recusou a sair.
Crivella relatou que, diante disso, pegou os caminhões e foi ao local. Ele arrebentou a cerca, entrou e começou a tirar as coisas e colocar no caminhão, mas destacou que não tocou nas pessoas e que, com ele, haviam uns dez homens.
No inquérito, os fatos são diferentes. O depoimento de Linhares conta que Crivella esteve duas vezes no local. Em uma terça-feira, tentou cortar o acesso ao terreno colocando obstáculos, que foram retirados. No dia seguinte, o vigia conta que ele chegou com violência: arrombou o portão com um pé de cabra e, acompanhado de seguranças armados de revólver, ameaçou a esposa e as duas filhas de Linhares.
Acionada, a polícia levou o pastor para a delegacia, onde passou o dia preso. À noite, saiu com a condição de voltar no dia seguinte. Voltou, foi fotografado e passou mais quatro horas detido.
O sumiço do inquérito
O caso não para por aí. Os dados estavam todos trocados. O número da foto não era igual ao do inquérito, nem o número do inquérito era igual ao da ocorrência policial. A Veja conseguiu rastrear o material, mas encontrou outro fato exótico: a ficha policial de Crivella só voltou aos arquivos oficiais em 2016, na forma de uma discreta anotação em um cadastro estadual de acesso restrito.
Crivella contou sua versão: em seu apartamento, ele tirou de uma caixa o inquérito 023/1990, esse é o número que ninguém tinha. Além disso, ele também tinha os negativos das fotos feitas na delegacia. Ele explicou que o inquérito foi arquivado após um ano. Nessa época, Crivella esteve na delegacia e recebeu o material do delegado João Kepler Fontenelle, já falecido. Ele afirmou que o delegado fez isso porque a Igreja Universal ameaçava processar o delegado pela forma como conduziu o caso.
“Ele me disse: ‘Vou te dar as fotos. Vou tirar isso daqui. Fiz para te constranger, mas estou arrependido’ ”, contou.
Repassar os negativos das fotos garantiria que as imagens e o inquérito não voltariam à tona, mas, obviamente, o plano não deu certo.