Crônica do Ediel: O Fim do Sentaí

O cronista Ediel Ribeiro conta um pouco da história do Sentai, fechado recentemente, e que tem uma relação com artistas e generais da ditadura

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Li, na coluna do Ancelmo Gois, no jornal “O Globo”, que o Sentaí, famoso bar da Rua Barão de São Félix, no bairro da Gamboa, Centro do Rio, fechou as portas nesta quinta-feira (19/11).

Chamado pelos íntimos de “Rei da Lagosta” devido à qualidade das lagostas servidas lá, o Sentaí era o bar preferido do colunista Ibrahim Sued, no Centro do Rio.

Vizinho da Central do Brasil, a casa não tem maiores atrativos na decoração – a não ser as fotos, de gosto duvidoso, de alguns generais que frequentavam o boteco – mas conquistou prestígio com suas receitas de lagosta. O crustáceo aparece no pastel e nos pratos principais da casa. Pode ser grelhado, guarnecido de arroz de tomate bem molhado, ou flambado no vinho e embebido em molho branco com catupiry, ao lado de noisette de maçã e arroz de amêndoas.

Fundado em 1950, pelo português Cezário Cardoso (falecido em 1991), o bar sempre foi uma empresa familiar. Nos últimos anos, o atendimento era feito pelo filho de “Seu” Cezário, José Rodrigues, sua esposa Hilda, que cuida da administração, e seus filhos — Mateus, é o chef da cozinha —  e o neto Gabriel.

O Sentaí é do tempo em que a capital ainda era aqui, no Rio de Janeiro. Na região, ficava o Comando do Leste e o Ministério da Guerra, então era muito frequentada por militares – vários generais, inclusive ex-presidentes, eram fregueses e tem fotos nas paredes do bar.

Entre as muitas histórias e lendas sobre o bar, uma dá conta de que o Sentaí era considerado, na época da ditadura militar, como um bar de coturno. Por isso, vários artistas que frequentavam o estúdio Hawaí, próximo dali, não frequentavam o boteco.

Muita gente, inclusive, acreditava que o nome original do bar era “Rei da Lagosta” e que “Sentaí” era uma espécie de “ordem dos milicos” que acabou pegando e virando o nome da casa.

Mas, a verdade é que o português Cezário Cardoso sonhava em abrir um restaurante, de comida portuguesa na área da Gamboa, mas o nome que escolhera – Adega de Coimbra – já existia, na Lapa; então, aconselhado pelo seu contador, “seu” Cezário adotou o exótico nome de Sentaí.

Conta a lenda, que o cartunista Jaguar deixou de frequentar o bar depois que batizaram o salão principal do Sentaí com o nome do general da ditadura, Sizeno Sarmento.

O general Sarmento teve intensa participação na política do país e, durante a Ditadura Militar, foi o responsável pela criação do DOI-CODI, organismo interno das Forças Armadas responsável pelo combate aos militantes de esquerda e pela prática de tortura e assassinatos na fase mais dura do regime.

O general, inclusive, foi o “carcereiro” da turma do “O Pasquim”, na célebre prisão de toda a redação do jornaleco, que ficou conhecida como a “gripe d´O Pasquim”.

Quem me levou ao bar pela primeira vez, foi o cantor e compositor Marcus Lucenna, outro que tem mestrado e doutorado de botecos.

Nos anos 80, Lucenna estava lançando mais um disco na carreira e, entre empadas de lagosta e uns chopes, me convidou para participar da produção. Acabei produzindo e fazendo a capa do CD “Um Seixo no Riacho”.

A gravação, aconteceu no estúdio Hawaí,  num prédio de três andares na Rua Costa Ferreira, número 102, bem atrás da Central do Brasil. No Hawaí, gravaram nomes fundamentais da MPB, como Cartola, Jamelão, Elza Soares, Fagner, Alcione, Fafá de Belém, Moraes Moreira, Novos Baianos, Dodô e Osmar e Belchior.

Boa parte dos sambistas dos anos 1980 passaram pelo Hawaí, pelas mãos do produtor Bira, que virou “Bira Hawaí”, porque passava dias no estúdio, dormindo num sofá de couro que havia na recepção.

O fechamento do Sentaí, encerra uma fase áurea de grandes bares na área da Central do Brasil.

Agora, sentaí e chora.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"

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