Alvaro Tallarico: Quando Guimarães Rosa encontra a Furacão 2000, um pormenor de ausência

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Na foto, Giuseppe Oristanio revive Guimarães Rosa no palco do Teatro Dulcina em foto de Alvaro Tallarico. Ele usa terno e bate palmas.
Giuseppe Oristanio no Teatro Dulcina (foto: Alvaro Tallarico)

O Teatro Dulcina é lindo. Com aquela aura antiga. Foi reinaugurado em 2011 depois de passar por algumas obras. Inclusive, vergonhosamente eu ainda não conhecia. Mas tudo bem. Afinal, é tudo no tempo certo, tudo no tempo de Deus, do universo. Esse universo tão imensurável do qual sou apenas um grão. Menos que isso possivelmente. Sou um grão como no mesmo dia, vi o filme “O Grão”, do cineasta cearense Petrus Cariry, sobre a morte de uma avó contadora de histórias.

Logo depois, nessa jornada pelo corredor cultural da Cinelândia, comi um quibe de queijo, enchi minha garrafinha de água no bebedouro da CAIXA Cultural e fui assistir uma atuação magistral de Giuseppe Oristanio dando vida a um morto contador de histórias. Ou melhor, revivendo um imortal: João Guimarães Rosa.

O famoso escritor, o qual no mesmo ano de sua morte, imortalizou-se ainda mais realizando o sonho, seu grande desejo, de ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Aliás, um dos momentos mais emocionantes dessa peça é quando Guimarães se diz pequeno para estar naquele local o qual almejava. As lágrimas de Giuseppe caem naturais como se fossem respingar na primeira fila, onde eu jazia.

Guimarães Rosa e a pequenez de um cigarro

O texto da peça é tão esmerado quanto é densa a literatura desse escritor. Dessa forma, senti-me impelido a buscar escrever algo que abraçasse a literatura, que beijasse a poesia, tão bem quanto faz esse espetáculo “Pormenor de Ausência”. Contudo, sinto-me pequeno, logicamente, racionalmente, perante tamanha confluência artística. Tanto a habilidade excepcional de Giuseppe até a dramaturgia elaborada de Lívia Baião. E a iluminação de Wilmar Olos e Celma Úngaro? Exalta a figura do ator e engrandece ainda mais a apurada direção de Ernesto Piccolo. Giuseppe vai e volta, muda o tom de voz, que esganiça quando necessário, faz os espectadores sorrirem.

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Em menos de uma hora conheci mais de Guimarães Rosa do que em toda minha vida até aqui. Ao sair fumei um cigarro comprado a varejo. Não, não sou fumante. Nem quero ser. Nem comecei e já quero parar, pois sei que não é nada mais do que um suicídio encapsulado, um veneno de ação lenta, purulenta. Sem nenhuma pureza, mas que me tenta. Talvez quisesse me parecer um pouco com Guimarães. Ao menos em uma de suas falhas.

Ainda por cima, dei de cara com a discrepância que meu amado Rio de Janeiro costuma oferecer. Após passar porta afora do teatro, ou seja, depois de deixar aquela redoma, a bolha que me levou para um mundo literário e teatral tão profundo, o funk explodia solto, livre em suas batidas pesadas. Ao olhar para o alto via aquela arquitetura antiga portuguesa belíssima. Imponente, insurgente, enfrentando o terremoto que ressoava “F de força, U de união, R de rainha do movimento que é bom, A de amizade, C de coração, A de autoridade,
O de organização, equipe poderosa Furacão 2000 e quem não gostou…”

Tenho paixão pelas artes e a literatura e não subestimo essa manifestação cultural que é o funk carioca, o qual é exportado, utilizado e ouvido no mundo inteiro. Por outro lado, admito que me incomodam as músicas que fazem apologia ao sexo, drogas e ao crime. Mas não era o caso. Essa que tocava é uma que tanto dancei na minha adolescência. Aliás, ainda danço nas festas que me convidam. Geralmente não resisto e meu corpo mexe sozinho no famoso break voador. Sou bom nisso. Muitos dos passinhos aprendi com Claudinho e Buchecha. Isso já me lembra o filme que vi outro dia “Nosso Sonho“, que conta a história dessa dupla símbolo de outros tempos do funk, ícones do assim chamado funk melody.

Ali estava eu pelo caminho do meio. Buda imaginaria algo assim em seus tempos? Entre a literatura erudita e a música do morro. Na rua, no meio da rua, sou e faço parte dessa desquiciada mistura. Trafego entre a suave ternura da poesia e a galopante euforia. Essa mescla que me resta e faz escrever por essa fresta de raciocínio a crônica de um carioca que nunca deixa, de maneira atônita, de se surpreender com a cidade maravilhosa. Um pormenor de presença.

Serviço:

Pormenor de Ausência

Local: Teatro Dulcina, rua Alcindo Guanabara, 17 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20031-130

Temporada: até 01 de outubro

Dias e horários: sexta e sábado, às 19h, e domingo, às 18h

Classificação: livre

Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)

Vendas e mais informações: https://www.sympla.com.br/evento/pormenor-de-ausencia-baseado-na-vida-e-obra-de-guimaraes-rosa/2135731

Mostra Petrus Cariry: imagem, tempo e poesia
Mostra de cinema com oferta de master classes
Data: 30 de setembro a 06 de outubro
Local: CAIXA Cultural Rio de Janeiro, Rua do Passeio, 38, Centro, Rio de Janeiro

Entrada Gratuita – Sujeita a lotação da sala. Os ingressos serão distribuídos uma hora antes da exibição de cada filme.

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