Basta o carnaval se aproximar que o cordão dos reclamões bota a corneta para fora. Todo ano é o mesmo enredo: “Se a população se dedicasse tanto a lutar por seus direitos quanto se dedica à folia, seriamos um país melhor”. Ah, sai do meu bloco. Deixa as pessoas se divertirem. E preste mais atenção no que diz. Carnaval está longe de ser só alienação. Isso é papo de quem nunca foi à escola. Escola de samba.
Para começo de conversa, note os bloquinhos de rua. São muitos, eu sei. Tem para todos os gostos. Democráticos, como muitas vezes a população não é. Inclusive, tem para quem quer protestar no meio da festa. Bloco que critica políticos corrutos, bloco que condena o machismo, bloco contra preconceitos raciais, bloco em prol da luta LGBT e muito mais. É possível, histórico e constante botar senso crítico no samba.
Falando em samba, seria impossível enumerar neste texto carnavalesco a quantidade de sambas enredos que têm como tema críticas sociais. Para o desfile das escolas cariocas deste ano, destaque para as composições de Beija-Flor, Mangueira e Paraíso do Tuiuti.
Nos quatro dias de folia sempre ecoaram manifestação sociais. “É fundamental sempre pensar o carnaval carioca na perspectiva contínua de resistência e contra-resitência”, escreveu Victor Andrade de Melo, em Lazer e Minorias Sociais, editora IBRASA.
Andando pelas ruas das grandes cidades foliãs do Brasil é fácil notar inúmeras pessoas com fantasias que exaltam alguma questão pertinente para os bons rumos do país.
“É necessário lembrar que o carnaval, para uma parte dos cariocas, sempre teve a dimensão de ser um tempo de subversão da cidadania roubada. Inventamos na rua a cidade negada nos gabinetes poderosos, sobretudo no contexto de transição entre o trabalho escravo e o trabalho livre, nos últimos anos da monarquia e nos primeiros da república, quando a festa ganhou contornos populares mais contundentes e uma parte significativa dela passou a ser um canal de expressão de descendentes de escravos. A partir daí a festa confunde-se com a própria história da cidade, como é até os dias atuais”, Luiz Antonio Simas, um senhor carnaval, me disse isso em uma entrevista.
Está vendo, não-folião desenformado? Carnaval não é só alienação. É muito mais que isso e merece respeito. E cá entre nós, se fantasiar de alienado por quatro dias para esquecer um pouco dos tantos problemas que vivemos não é nenhum crime ou pecado. “Pecado é não brincar o carnaval”, como diz o samba (crítico) da Mangueira deste ano.