O Centro ainda é a principal área de negócios do Rio de Janeiro. Durante várias décadas, passando por crises diversas, e tendo a concorrência de outras centralidades, ele assim se manteve. Em relação à Região Metropolitana, o Centro é privilegiado, servido pela mais ampla gama de meios de transportes da metrópole. Ali ocorre a maior concentração de equipamentos de cultura da cidade. E lá estão as sedes dos poderes legislativos e judiciário e vários órgãos do poder executivo.
Mas hoje, novamente, essa centralidade principal balança. O Centro já sofria as consequências de uma legislação, que um dia ali vigorou, baseada em princípios do urbanismo funcionalista, que impedia a construção de imóveis residenciais. Somente na administração Luiz Paulo Conde (1997-2001) essa legislação foi revogada. Mas, seus efeitos deletérios vêm perdurando apesar de tentativas em contrário. A especialização de boa parte do Centro como área de comércio e serviços resultou numa ociosidade e esvaziamento noturno, que traz perigo e a consequente recusa de circulação de transeuntes naquele horário. Não são raros os casos de assassinatos ou de pessoas feridas ali à noite por malfeitores à espreita.
Na década de 1990, o Centro passou por um processo de requalificação, baseado na valorização dos espaços públicos e do Patrimônio, na atração de equipamentos culturais, e no ordenamento das atividades de rua, como o comércio ambulante. O sucesso de tais iniciativas se verificou pela atração, por exemplo, de estabelecimentos comerciais voltados para classes economicamente mais privilegiadas e de instituições de ensino superior. Mas essa requalificação dependia da continuidade dos cuidados com o espaço público, o que, por diversas razões, não ocorreu.
A pandemia de Covid, com o consequente fechamento de atividades e a larga substituição do trabalho presencial pelo trabalho remoto, mostrou-se fatal para uma região tão dependente do comércio e dos serviços. A ociosidade dos imóveis foi às alturas, com uma enorme queda no público que demandava o Centro no seu único horário de funcionamento. Já no período noturno, se agravou a situação de abandono, com a afluência de novos moradores de rua, ali jogados pela crise econômica.
O programa Reviver Centro, lançado na atual administração, visa corrigir a pouca atratividade do Centro para o mercado de construção de moradias. Com incentivos diversos, ele tem conseguido atrair projetos, e mesmo obras, para áreas periféricas ao coração do Centro, o seu Quadrilátero Financeiro. Este pode ser definido pelo polígono delimitado pela rua Primeiro de Março, a praça Pio X, a rua Gonçalves Dias e a avenida Nilo Peçanha. Após o período da Reforma Passos, no início do século XX, ali passou a haver o predomínio de instituições bancárias, financeiras, escritórios de advocacia e contabilidade e toda sorte de serviços complementares a essas atividades. Mas, até o momento, o Reviver o Centro não fez surgir propostas de empreendimentos habitacionais para esse core.
Recentemente, a Prefeitura da Cidade do Rio lançou um programa para incentivar atividades culturais no Centro, através da possibilidade do pagamento parcial do aluguel de lojas ociosas, com frente para ruas daquela área. Esse programa foi estabelecido através de um edital de chamamento público da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos – CCPAR. O alvo deste chamamento público são lojas com interesse na locação para atividades “ligadas às áreas incentivadas pelo Município do Rio de Janeiro como aquelas de natureza cultural ou artística”.
No Edital publicado em 31 de janeiro de 2023, a área delimitada compreendia apenas o polígono do Quadrilátero Financeiro. No entanto, o novo edital do programa, publicado em 02 de fevereiro de 2023, incorpora uma pequena área da praça XV, área que há anos vem se caracterizando pela predominância de atividades culturais. O subsídio a ser concedido pelo Município tem o valor de R$ 75,00/m², limitado a um máximo de 192m², independentemente de que o imóvel tenha uma metragem maior.
Se o incentivo à abertura de novos estabelecimentos voltados para a Cultura na área da praça XV parece seguir uma vocação já presente, só o tempo dirá se isso terá sucesso também no Quadrilátero Financeiro. Ali sempre houve livrarias, e se imagina que elas possam ser enquadradas como atividade de natureza cultural, gerando a abertura de outras. Teatros e galerias de arte não há muitos na área. Que mais se enquadraria? Cafés-concertos? Lojas de instrumentos musicais? Escolas de teatro, dança ou música? São estabelecimentos que seriam benvindos, mas não é fácil alterar uma vocação local sedimentada por décadas. E há que se considerar que muitas dessas atividades culturais precisariam da segurança noturna, já que seus horários costumam ser estendidos. E segurança noturna é o que está em falta.
Uma área, cuja ausência no novo programa municipal de incentivo a instalações voltadas para cultura é incompreensível, é a Rua da Carioca. Ela, que já se caracterizou pela presença de lojas de instrumentos musicais, do Cinema Íris, do Bar Luiz, hoje fechado, e de livrarias, se encontra numa situação lamentável. São lojas e mais lojas fechadas. Ainda restaram algumas de instrumentos musicais, mas a rua está uma desolação. Incluí-la no programa de incentivo a estabelecimentos de cultura seria fundamental para a sua recuperação.
O novo programa da Prefeitura pode ser mais um estímulo importante para a chamada revitalização do Centro. A presença de estabelecimentos culturais poderá vir a ser um grande atrativo. E um enorme acerto está em privilegiar as lojas com frente para ruas, o que traria animação para as mesmas. Mas, se a área selecionada permanecer sem moradias, continuará a ocorrer o círculo vicioso do esvaziamento noturno e da falta de segurança. Como dito acima, até o momento, o mercado imobiliário não se mostrou encorajado a lançar um empreendimento imobiliário no coração do Centro. E a Prefeitura insiste na estratégia de oferecer mais vantagens e subsídios, como outra proposta que acaba de ser anunciada de ampliar as vantagens já oferecidas pelo projeto Reviver Centro.
A Prefeitura poderia agir na restrição da oferta de licenciamentos em outras áreas da cidade não prioritárias, do ponto de vista do interesse público, para o desenvolvimento do mercado imobiliário. Ela poderia também ter uma estratégia de intervenção direta na área do Quadrilátero Financeiro, onde sequer houve projetos, com a conversão de alguns imóveis comerciais para residenciais, usando recursos públicos. O que se tem certeza, é que é preciso quebrar a inércia e ter famílias morando na avenida Rio Branco e adjacências, vizinhas de bancos e escritórios e, quiçá, de estabelecimentos culturais.
Abordagem correta, é no que a prefeitura deveria nos dar como expectativa e ação. Pena que a realidade é muito distante disso. Com os projetos de incentivos lançados fica a sensação de que estão dando moleza para privilegiados que vão saldar prejuízos do setor com dinheiro público sem nenhuma contrapartida para a cidade. Antigamente, os donos do dinheiro construiam edifícios belos e eficazes para gerar mais dinheiro. Mas os imóveis davam também conforto e boas experiências. Até em subúrbios você ainda vê belas casas e prédios de época que sugerem a existência de boas residências, comércios, cinemas e teatros. Agora, o interesse maior é o “payback” ou retorno financeiro, depois uma obra feia e rebarbada de eficácia questionável, dificultando a inserção no contexto urbanístico e social.