Dani Monteiro: A quem interessa a reforma do ensino médio

'Ruim na teoria, desastrosa na prática. Indo direto ao ponto, começo pela evidência do que significa, de fato, para os estudantes, a tão falada reforma do ensino médio não surgiu do nada'

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Dani Monteiro com estudantes secundaristas, em Valença/RJ. Foto: André Edgard

Ruim na teoria, desastrosa na prática. Indo direto ao ponto, começo pela evidência do que significa, de fato, para os estudantes, a tão falada reforma do ensino médio não surgiu do nada. A lista de contras é grande. De infraestrutura precária e insuficiente nas escolas a uma grade que prejudica alunos mais pobres e de cidades e regiões periféricas, a lista de contras é grande, como bem apontam os especialistas que pensam seriamente sobre a educação no Brasil. Faltou ouvir todos os envolvidos, dizem muitos. Mas, cá para nós, manter o debate silenciado faz parte da estratégia de quem pode lucrar com o prejuízo dos jovens que hoje estão à mercê da própria sorte.

Refaço aqui um breve apanhado da trajetória de aprovação e implementação do tal novo ensino médio que promete mais tempo em sala de aula – um salto de quatro para sete horas diárias -, mas que pode, isso, sim, afastar os estudantes mais vulneráveis.
Se voltarmos dez anos no tempo, vamos entender que não há coincidência entre os arroubos nas ruas iniciados em 2013. Outro ano que também pode explicar muita coisa é 2016, o ano do golpe de estado que depôs uma presidenta legitimamente eleita. Um mês após Dilma Rousseff ter sido deposta, a proposta da reforma já estava articulada entre os Poderes para ser aprovada como medida provisória.

O que estamos hoje, para desespero de alunos e de seus pais, foi fruto de um diálogo entre o mercado financeiro interno do Brasil, que envolve organizações do terceiro setor ligadas a bancos e grandes grupos, e o mercado externo, no que o Banco Mundial não pode ser eximido. Uma confluência de interesses que nada tem a ver com educação pública e de qualidade, mas com a articulação entre os interesses das organizações sociais, econômicas e políticas aqui de dentro com os interesses mundiais do capital externo, que se move na direção que os poucos que o regem bem entendem.

Vá lá que os grandes querem ser cada vez maiores, mas daí a interferir na educação brasileira parece exagero de esquerdista, há quem diga. A resposta é tão simples quanto óbvia: a educação nos países periféricos como Brasil é vista como ponto estratégico para manutenção do próprio sistema que nos mantém cada vez mais pobres. Não se trata apenas de uma política ruim, mas de um propósito infame do capital mundial hegemônico.

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Se o novo ensino médio já parece ruim na teoria, por seu caráter tecnicista, autoritário, elitista e desigual, suas consequências, na prática, são ainda mais graves. Trata-se de um projeto que ignora por completo a estrutura do ensino público no Brasil, desde as instalações físicas ao corpo docente. Em todo o território nacional, há 36 mil escolas públicas que sequer têm banheiro ou saneamento básico. Com os itinerários formativos, os alunos passaram a ter de 16 a 20 disciplinas na grade curricular, e o corpo docente e a gestão escolar precisam dar conta de novas disciplinas de baixo para cima. Não há formação para lidar com o novo currículo, não há estrutura para o ensino técnico.

Enquanto a lista de deméritos e desvios só aumenta. Para as elites, o projeto garante acesso a um ensino prático, crítico e inovador. Para os pobres, puro tecnicismo precarizado. Vamos precisar, de fato, conversar sobre o assunto. E gritar, se for preciso.

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