O Laboratório de Análise da Violência do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-Uerj) realizou a pesquisa Coronavírus: medo, percepções e crenças, entre os dias 4 e 15 de maio, pela internet, com 1.203 moradores da cidade do Rio de Janeiro. O trabalho mostrou que os reflexos do isolamento social e o medo do vírus são uma realidade na vida de todos os entrevistados, mas a condição social e as crenças políticas ditam o quanto a pessoa vai ser afetada por esse medo.
O que mais chamou a atenção de Doriam Borges, professor da Uerj e coordenador do projeto, foi a constatação do quanto a desigualdade social influencia na percepção das pessoas em relação à Covid-19 e expõe mais um grupo do que outro.
“A ausência do Estado em suas vidas, a maior condição de pobreza e a consequente necessidade de se expor mais tendo que pegar transporte coletivo para trabalhar, por exemplo, fazem com que os moradores de comunidades tenham mais medo da morte. Eles não têm como se proteger tanto, não conseguem cumprir o isolamento social de forma adequada e isso tudo gera ainda mais angústia nessa parcela da população”, analisa o professor.
A pesquisa mostrou que o medo da doença é maior para os moradores de favela, que também se expõem mais. Entre eles, 77,2% evitaram pegar algum transporte coletivo, contra 92,9% dos que residem fora de comunidades; 72,6% deixaram de trabalhar fora de casa, contra 81,4% dos demais moradores da cidade. E 84,4% evitaram encontrar familiares e amigos, uma realidade para 97,2% dos cariocas do asfalto. Na favela, 71,8% dos habitantes temem o Sars-Cov-2 contra 55,6% fora dela, enquanto 56% têm medo de morrer por Covid-19, em comparação a 33,7% do restante da população.
Para os participantes da pesquisa, 94,4% acham que o isolamento social reduz a taxa de transmissão do coronavírus. Porém, a atitude frente a ela está diretamente ligada às crenças políticas.
“Mesmo admitindo que o isolamento social é capaz de reduzir a contaminação, muitas pessoas minimizam a gravidade da doença e definem a pandemia como uma histeria coletiva”, afirma Doriam Borges.
Além dos moradores de comunidade, as mulheres e as pessoas que declararam não apoiar a gestão do presidente Jair Bolsonaro tendem a apresentar mais sintomas de medo e preocupação durante a pandemia: 67,9% das mulheres têm medo do vírus para 52,4% dos homens; enquanto 40% dos que aprovam a gestão Bolsonaro têm medo do coronavírus para 64,2% dos que não aprovam o presidente.
Entre os apoiadores do governo Bolsonaro, 50% acreditam que a pandemia é uma estratégia política e 41% dizem que é uma histeria coletiva. O maior medo dos bolsonaristas (44,8% deles) é ficar sem condições financeiras de manter a família. Já entre os que não aprovam o governo, 55,4% temem perder um familiar ou amigo vitimado pelo coronavírus. Para esses, 76% acham que o isolamento social de agora é importante para evitar problemas maiores no futuro.
“No momento em que o presidente fala que é apenas uma gripezinha, isso cria um discurso, constrói uma crença de que de fato se trata de algo menor. Entre seus apoiadores observamos que o maior temor é o impacto econômico, a questão do emprego, diferente do restante da população que aponta o medo da morte e o receio de perder entes queridos como a maior preocupação”, ressalta o professor.
A ideia é que daqui a 60 dias uma nova rodada de perguntas seja aplicada ao grupo. Os pesquisadores querem entender o quanto essa realidade influenciou a vida das pessoas, acompanhar a evolução do quadro e comparar as respostas dadas nos dois momentos distintos.