No dia 12 de outubro, além das celebrações dedicadas a Nossa Senhora da Aparecida, Padroeira do Brasil, comemora-se por decreto do governo Artur Bernardes, publicado em 1924, o Dia das Crianças.
Internacionalmente, em 1959, a ONU estabeleceu o dia 20 de novembro como o Dia Mundial das Crianças (World Children’s Day), devido à criação da Declaração Universal dos Direitos das Crianças, promulgada nesse dia.
Na prática, a data foi popularizada no Brasil por iniciativa de uma fábrica de brinquedos (Estrela) e uma marca de produtos infantis (Johnson & Johnson) em meados da década de 1950 e pouco a pouco ganhou grande aceitação popular, cada vez suscetível aos meios de propaganda aguçando os desejos infantis.
O saudosismo insiste recordar que todos os dias eram comemorados pela garotada de maneiras diversas, em cada brincadeira de rua, distribuídas por gênero ou faixa etária. Para os meninos, carniça, garrafão, dois toques, linha de passe, pião, pipa, bolinha de gude. As meninas dançavam suas cantigas de roda ou representavam mães com seus aparelhos de chá, bonecas, refletindo as práticas da sociedade patriarcal em plena efervescência. Atirar o pau no gato ainda não era politicamente incorreto, nem mesmo o anel que era vidro ou as críticas a Pai Francisco que vinha desengonçado. Algumas jovens transgressoras insistiam em fazer parte do grupo de meninos, sujeitando-se a críticas e preconceitos.
Alguns anos mais velhos, certos jogos eram compartilhados como passaraio, berlindas, passa-anel e o sedutor pera-uva-maçã-salada mista, objeto de pequenas trapaças infanto-juvenis para acertar a escolha do par pretendido. Em muitos casos, pique-bandeira misto, esconde-esconde ou queimado – coisas de menino – recebiam as garotas. Para muitas, um momento de alguma vingança reprimida ou demonstração do poder feminino infantil, ainda embrionário.
Havia algo que era deliciosamente comum: os doces, principalmente as balas, apresentadas tentadoramente de formas variadas. Nas ruas, os pirulitos cônicos de açúcar queimado, vendido com os cilindros de beiju pelo moço do teco-teco que passava causando alarido; as raspadinhas, aquele xarope colorido sobre gelo ralado em copinhos; as bandejas de cuscuz e quebra-queixo, em generosos pedaços brancos e marrons.
Estavam também à vista, naqueles baleiros coloridos, de vários níveis, expostos nos balcões de padarias, armazéns e botequins, a provocar o paladar da infância com sabores embalados em papeis diversos, preços variados, dos mais baratos para balas mais simples, como as douradinhas de mel, brancas e vermelhas de tamarindo, até os desejados toffees, em sua elegante embalagem azul e branca, envolvendo aquela bala de caramelo recoberta por chocolate, que às vezes grudava nos dentes e céu da boca, chegando a arrancar obturações.
Para alguns apreciadores, a quem-quem, papel verde-escuro com seu indefectível patinho amarelo ou aquele pequeno cubo embalado em papel prateado com desenhos vermelhos, o gamadinho. E Frumelo? Ou Banda?
Nos cinemas, além da pipoca saltando na máquina, com preços efetivamente muito acessíveis (posteriormente, quase o valor de um ingresso ou até mais cara), pacotinhos finos de amendoim, caixas de Mentex para melhorar o “bafo”, o drops quadradinho, “embalado um a um”, sabor tutifruti ou anis e o saquinho de celofane daquela bala rosa, de açúcar colorido, representando um pequeno boneco (uma múmia, eu acreditava).
Outras guloseimas baratas surgiam, como a pastilha Garoto, que “pegava fogo” para promover exibições dos meninos ou a bala “assassina” Soft. As lendas urbanas atribuíam efeitos trágicos, engasgando crianças, ainda que não houvesse nenhuma “epidemia” registrada.
Na saída, com algumas moedas de troco do ingresso muito acessível, que permitia até mesmo duas idas semanais aos poeirinhas, dois filmes por vez (alguns proibidos), uma atraente máquina com garrafas multicoloridas oferecia o “sorvete americano”.
Demoraria alguns anos para aquelas crianças frequentarem, com os amigos, as lanchonetes que ofereciam sundaes, hot-dogs ou milkshakes, mas não faziam falta para aqueles grupos barulhentos circulando pelas ruas, sem sorveterias a quilo ou lojas de balas importadas, colando chicletes nos cabelos das meninas.
Para nós, balas eram apenas doces coloridos, alegrando o paladar cotidiano. Se fossem perdidas, não feririam ninguém, pelo contrário, eram recebidas como dádiva por quem achou, não foi achado. Depois, sob codinome, estavam presentes em shows psicodélicos ou fritando cérebros em raves interminavelmente ensurdecedoras e alienantes.
Para nós, um saquinho de bala boneco, uma caixa de amendoim confeitado ou um punhado misto de sabores adoçavam a amizade, o dia e nossa vida por muito tempo, uma comemoração perfeita para celebrar aqueles dozes de outubros do passado, quando eram apenas doces, simplesmente doces.
Que saudade das coisas escritas aqui. Lembrei de tantas coisas, foi muito bom. Texto perfeito!!!!!!!