No dia 14 de outubro de 2024, o DIÁRIO DO RIO noticiou que “Inspirado em Las Vegas e Paris, Cine Roxy reabriria na última sexta (18/10); ingresso mais barato custará R$580,00 reais”. A matéria ainda indicava que “o espaço reabrirá sob nova administração e com nome adaptado – agora como Roxy Dinner Show”.
O evento recebeu ampla cobertura jornalística, com farto material publicitário defendendo a importância de uma casa de shows com essas características, seu relevante apelo turístico e comercial como ocorrera com “Sambão”, aberta em Copacabana, no final da década de 1960, coordenada por Sargentelli, sucedida pela “Sucata”, na Lagoa, com espetáculos como o famoso “Ziriguidum” e o “Oba-Oba”, ambas na década seguinte. Nos anos de 1980, Recarey inaugurava o Scala Rio, que manteve essa tradição.
O Canecão, que abriu suas portas como uma cervejaria, em 1967, pouco a pouco ganhou espaço como grande espaço de espetáculos variados, mas encerrou suas atividades em 2010. Existe projeto para sua reabertura, porém com outro direcionamento.
A cidade do Rio de Janeiro, importante polo turístico internacional, tornou-se órfã desses cenários para produções “Made in Brazil for Export” e o anúncio da abertura do Roxy Dinner Show surge como preenchimento imprescindível de tal lacuna.
No entanto (sim, no entanto) o Roxy foi inaugurado no dia 03 de setembro de 1938 como um dos mais confortáveis e maiores cinemas do Brasil, também com ampla cobertura e alarde da imprensa.
O projeto adquirira tal importância que, em 1934, foi divulgado em revistas especializadas, incluindo a perspectiva de sua fachada principal, muito próxima do edifício construído e um resumo da obra, com a apresentação de proprietários e autores da proposta arquitetônica.
O Roxy, como era conhecido por cariocas de todos os pontos da cidade, certamente marcou gerações. Devido às suas dimensões, luxo, conforto e tecnologia sempre atualizada para exibição de sua programação, atraía um público diversificado, mesmo que fosse apenas para conhecer as novidades, como o excelente ar-condicionado, som e projeção irretocáveis, uma bomboniere abastecida e provocativa, filmes em Cinerama, com três cabines projetando simultaneamente em uma tela curva, propiciando o efeito de imersão.
Em breve, além da qualidade visual, outras experiências sensoriais sacudiriam, literalmente, os espectadores. Em junho de 1975, o Roxy exibiu um dos primeiros grandes filmes-catástrofes, Terremoto, com seu sistema sensurround, produzindo um áudio amplificado, estrondoso, quase ensurdecendo toda a sala de exibição.
Vieram muitos festivais, do Rio, do Cinema Francês… Filmes referenciais pela qualidade técnica, artística, ou simplesmente de grande apelo popular: Grand Prix, com os carros de corrida praticamente avançando para fora da tela; Estação Polar Zebra, filmado em Panavision, produzindo um efeito congelante no público; Krakatoa, também em Panavision, trazendo a lava da erupção vulcânica para nossos pés; em 1968, aquela sala exibiu uma das mais notáveis obras do cinema contemporâneo, dirigida por Kubrick, 2001 – uma Odisseia no Espaço, que apresentava muito mais perguntas do que respostas, em imagens polêmicas, inovadoras, lisérgicas e contagiantes, favorecidas pelas dimensões da tela ao som de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss.
Por algumas décadas permaneceu um único cinema, uma monumental sala de projeção com projeto para aquele vão livre desenvolvido pelo engenheiro catarinense Emilio Baumgart, autor de outros cálculos notáveis, como para o edifício A Noite e o prédio do Ministério da Educação.
Além da ousadia estrutural, o teto apresentava ornamentação exuberante, um espetáculo à parte com sua iluminação indireta antes do início das sessões, durante a exibição dos trailers ou cinejornais.
Nossa experiência começava no acesso, uma espécie de elegante varanda em curva, na esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com rua Bolivar, com seus pilares coloridos onde ficava a bilheteria, sob o indefectível letreiro vermelho “Roxy”.
Ingressos na mão, entrávamos no elegante hall, diante de imponente escadaria de mármore preto, guarda-corpo com detalhes em dourado, completando o cenário art-déco que continuava pelo salão de projeção. O caminho continuava pela bomboniere, uma eventual visita ao banheiro e aguardávamos o popular “lanterninha”, em seu libré, para nos guiar na penumbra até o assento escolhido, pois não havia a marcação preliminar dos lugares.
A luz indireta do teto iluminava as poltronas. A cortina abria para o espetáculo cinematográfico, precedido dos trailers, noticiários, vinhetas características dos estúdios distribuidores, como o leão da Metro, a jovem da Columbia ou o Condor, que a plateia insistia em espantar. Silêncio quando surgia na tela os primeiros letreiros do tão esperado filme. Ouvia-se apenas o farfalhar do celofane das guloseimas.
Frequentemente, uma experiência inesquecível!
Com o surgimento das multi-salas de cinema nos shopping centers, fitas de videocassete, DVDs, os grandes cine-palácios, como o Roxy, iniciaram sua decadência.
Aquele salão, projetado inicialmente para 1800 lugares, tornava-se deficitário. Em 1991, o cinema foi fechado, reaberto dividido em três salas, com capacidade reduzida, abrigando festivais e grandes lançamentos, resistindo até o início da década de 2020.
Considerando que a Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu preservar o tipo de atividade do antigo cinema, incluindo-o no Cadastro dos Negócios Tradicionais e Notáveis da Cidade, existe uma proteção sobre o conjunto, que não impede alteração de seu uso original, mantendo a condição de espaço de cultura e lazer.
O tradicional Cine Roxy tornou-se Roxy Dinner Show. Uma casa pouco acessível para a maioria, principalmente pelos preços anunciados, além da provável cara estimativa do consumo. Talvez seja programa de uma única vez para um carioca matar a curiosidade, enquanto turistas lotarão suas mesas para desfrutar de espetáculos com pontos de ligação com o Teatro de Revista, de Carlos Machado, o Ziriguidum de Sargentelli ou outras manifestações culturais que estejam na moda, atraindo um público com condições econômicas propícias para frequentar a diversidade de sua programação.
Enquanto isso, aquela sessão de cinema ficará na memória de quem teve a primazia de frequentá-la, com pipoca, amendoim e mentex da bomboniere. Dos beijos trocados no escurinho do cinema (splish splash) chupando drops de anis, assistindo ao festival, na matinê, deixando a saudade na camisa toda suja de baton, como cantou Belchior.
Torna-se inevitável a lembrança de um texto de Italo Calvino, publicado em 1995 em seu livro “Cidades Invisíveis”:
“os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses estranhos. É inútil querer saber se estes são melhores do que os antigos, dado que não existe nenhuma relação entre eles, da mesma foram que os velhos cartões-postais não representam a Maurília do passado, mas uma outra cidade que por acaso também se chamava Maurília.”